* Jornalista turco, laureado pela WAN-IFRA (Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias) com o Golden Pen of Freedom em 2017
A polícia chegou cedo. Todos estavam dormindo... Ainda era de madrugada...
Treze jornalistas tiveram suas casas invadidas nas primeiras horas do dia 31 de outubro. Em uma delas vivia o editor-chefe do jornal. Em outra, o diretor executivo. Em quatro delas, colunistas, em três delas, advogados... o repórter, o ombudsman, o editor de literatura, o chargista, o contador...
Todos eram funcionários antigos do Cumhuriyet, o mais antigo e prestigioso jornal da Turquia. Enquanto tentavam acalmar seus filhos recém-despertos, foram forçados a ver suas casas e seus arquivos sendo revirados e seus computadores sendo confiscados. Eles foram levados primeiro à delegacia, depois ao hospital e, finalmente, à maior prisão do país. Foram colocados em celas solitárias, sem sequer saber qual crime haviam cometido. No fim das contas, tiveram que esperar 151 dias até descobrir. As acusações foram anunciadas no 151º dia: ajudar e instigar organizações terroristas armadas.
Quais organizações, você quer saber?
O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), o mesmo com o qual o governo havia compartilhado uma negociação de paz há três anos, e os Gülenistas, com o qual o governo vinha comandando o país há uma década.
Curiosamente, os riscos representados pelo movimento Gülen haviam sido alertados por esses mesmos jornalistas que agora estavam sendo acusados de Gülenistas.
E as provas, você quer saber?
Reportagens, entrevistas, manchetes, tweets e colunas críticas ao governo. Em outras palavras, eles seriam julgados por praticarem jornalismo.
Sendo ex-editor-chefe, eu era o réu número um. E fui acusado de alterar a política editorial do jornal. Minha primeira reação foi pensar: "E daí? Desde quando os promotores determinam as políticas editoriais dos jornais?"
A resposta era óbvia: desde que o presidente quis assumir o controle da mídia, em sua busca por poder absoluto.
No ano passado, Erdogan embarcou em um movimento de severa repressão, acusando seu antigo parceiro Gülen de planejar a tentativa de golpe de Estado do dia 15 de julho. Uma oportunidade "enviada por Deus" de se livrar de seus oponentes de uma vez por todas. Tendo assegurado o poder absoluto com uma declaração de estado de emergência no dia 20 de julho, ele constitucionalizou esse regime "de fato" por meio de um referendo sob condições "civis" de direito marcial – uma emenda rejeitada por metade da nação, a despeito de todas as restrições e práticas controversas da Comissão Eleitoral.
A Turquia tinha rechaçado a tentativa de golpe de 15 de julho, mas foi vítima de um contragolpe de Erdogan no dia 20 de julho. Não um regime militar, mas um Estado policial.
Depois da tentativa de golpe, o número de jornalistas presos, que era 30, quadruplicou. Quando o contingente do Cumhuriyet se somou aos 120, a Turquia se tornou "a maior prisão de jornalistas do mundo".
A emenda constitucional elevou Erdogan à posição de único homem responsável por administrar o governo, o Parlamento e o Judiciário, encarregado de nomear juízes e promotores. Como já era de se esperar, todos os recursos pela liberdade dos jornalistas foram rejeitados. Com algumas exceções, restou quase ninguém na mídia para criticar o desenrolar dos eventos: um jornalista preso é um refém que silencia vários outros que estão do lado de fora. Esse foi o método utilizado para silenciar o Cumhuriyet, um dos últimos bastiões da imprensa livre.
Até mesmo um funcionário da cantina foi preso. O seu crime foi ter emitido um comentário, ouvido por acaso pelo policial que estava no jornal, que, por sua vez, informou seus superiores: "Se Erdogan viesse aqui, eu não serviria chá a ele!". Eis que, na manhã seguinte, o rapaz do chá foi levado sob custódia, acusado de "insultar o presidente".
O Cumhuriyet está agendado para comparecer ao tribunal nesse 24 de julho. Todo a equipe editorial de um jornal enfrentará um juiz pela primeira vez após 267 dias. Eles estarão defendendo não só a si mesmos, mas também a imprensa livre e uma democracia que luta pela sobrevivência nas mãos de um déspota.
Se isso é uma coincidência, certamente é uma bem irônica:
O dia 24 de julho marca o aniversário do fim da censura na Turquia, celebrado desde 1908 como o Dia da Liberdade de Imprensa. Esse ano, comemoramos o Dia da Liberdade de Imprensa como o "Dia da Luta pela Liberdade de Imprensa" nas prisões, nos tribunais e no exílio.
Todos os colegas estão convidados.