Bastou um cruzamento de dados entre o Ministério de Desenvolvimento Social e a Justiça Eleitoral para que fossem flagradas mais de 16 mil doações de campanha feitas por beneficiários do programa Bolsa Família, supostamente pessoas de baixa renda que necessitam do auxílio federal para sobreviver. Em consequência, 13 mil titulares tiveram seus repasses bloqueados e estão sendo convocados para atualização cadastral, podendo ter seus benefícios cancelados.
Ainda que os valores sejam bem inferiores aos R$ 75 milhões atribuídos equivocadamente pelo TSE a um doador do sertão pernambucano, que na verdade contribuiu com R$ 75, a quantidade de doações aponta para um esquema suspeito que ainda precisa ser melhor investigado, mas que tem todos os indícios de ser fraudulento. Não é possível que tantos dependentes do maior programa de distribuição de renda do país tenham recursos sobrando para financiar candidatos e partidos.
A primeira suspeita é de que os CPFs de beneficiários do Bolsa Família tenham sido utilizados indevidamente para legitimar doações oriundas de outras fontes. Anteriormente, uma fiscalização conjunta do Ministério Público Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, com informações de bancos de dados de diversos órgãos públicos, como Receita Federal, Polícia Federal, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e cadastros nacionais de óbitos e de profissionais com emprego formal, já identificara outras cinco prováveis irregularidades além das doações de titulares de programas sociais. São doações feitas por desempregados, registradas com CPFs de pessoas mortas, de valores incompatíveis com a renda do doador, em que há concentração de doadores de uma mesma empresa ou de doadores responsáveis por empresas e instituições que recebem repasses de dinheiro público.
Essas tentativas de driblar a legislação demonstram, acima de tudo, que os espertalhões habituaram-se ao descontrole do Estado, que vinha sendo excessivamente generoso no assistencialismo e inepto na fiscalização e na cobrança de contrapartidas dos programas sociais. Por isso é mais do que bem-vindo esse choque de transparência.