Veja se você lê fácil a seguinte frase: estemedicamentoécontraindicadoemcasosdesuspeitadedengue. Claro que não, né? Mas é assim que algumas marcas falam no final dos seus comerciais de rádio ou TV. Comprimem uma frase importantíssima de saúde pública em microssegundos, para não gastar tempo. Depois não sabem por que a propaganda está com seu prestígio em baixa. Tão em baixa que qualquer aplicativo ensina que a propaganda, agora, é só um mal necessário. Se você tem dinheiro, use a versão premium, sem propaganda. Se não tem, baixe a versão gratuita, mas precisa aguentar os comerciais. A propaganda foi desposicionada pelos novos tempos e luta por um novo significado diante de um mundo cada vez mais líquido e fragmentado. Até mesmo o digital, crítico da interrupção da propaganda tradicional, hoje é intrusivo, atravessando minha timeline 20 vezes com aquela mesma oferta de um hotel para a viagem que já fiz no mês passado.
Além da propaganda, os novos tempos contaminam o jornalismo. "A gente valoriza a opinião que realmente importa: a sua", diz a marca X, chamando para que você fale sobre política, futebol, economia, guerras napoleônicas ou o vestido da subcelebridade. Fala sério. Uma coisa é ter canal aberto e dar voz para as pessoas, outra é dizer que esta é a opinião que realmente importa. Ao fazer isso, inconscientemente retiramos do jornalismo sua legitimidade opinativa, equiparando opiniões forjadas durante anos em confrontos com a realidade ao mero esporte de jogar conversa fora, de opinar sobre tudo, sem nenhum compromisso com a verdade ou com o bom senso. Nada contra a opinião de ninguém, ao contrário: é justamente a possibilidade de ter mais opiniões que aumenta os debates e enriquece as análises, além de democratizar a informação e o acesso a ela. Mas é preciso cuidado para manter a credibilidade como a moeda de maior cotação, e, neste caso, valorizar quem é mais rico. Afinal, o valor de uma opinião não é a mesma coisa que uma opinião de valor.
Sem propaganda responsável e jornalismo de qualidade, corremos o risco de ser apenas curadores de nós mesmos, ensimesmados no nosso modo de ver o mundo, ouvindo preconceito como se fosse opinião e dizendo que não acreditamos mais em ninguém para nos dizer ou vender qualquer coisa.
Mas, claro, esta é só a minha opinião.