A crise pela qual passa a democracia brasileira tem pelo menos quatro dimensões: ética, econômica, política e social. A primeira expõe com maior contundência, um sistema político vicioso, girando em torno de um só fim, sua perpetuação. A ideia da necessidade de formar maiorias, feita através de uma coalizão que supostamente deveria ter um mínimo de coesão ideológica e programática se diluiu ao longo dos últimos seis governos presidenciais.
A formação dessa coalizão, como é provada pelos casos de escândalo de corrupção, sobe demasiadamente de preço, num vício que alimenta a fragmentação partidária, por causa da demanda no mercado político de varejo. O custo do apoio sobe e quem compra usa da estratégia de dividir para fomentar a concorrência e eliminar chantagens. Nesse sentido a fragmentação partidária pode ser encarada como reflexo dessa lógica.
Essa crise, todavia, como o exposto não é monocausal. Ela é econômica na medida em que a última década pela qual passou o país se perdeu uma enorme oportunidade de fazer reformas importantes como a tributária, previdenciária e trabalhista. Com débito em relação a realização dessas reformas, cresceu a vulnerabilidade do governo que, por sua vez, encarou a crise mundial de 2008 apenas maquiando seus efeitos sobre a conjuntura política interna. Esse mascaramento tinha como objetivo blindar 2010, mas foi postergado até 2014, ano de copa do mundo e reeleição.
Diante do um quadro interno de iminência da crise, o encarecimento na base de sustentação da coalizão cresceu vertiginosamente, e a resposta dada não podia ser outra, alargar o duto de retroalimentação. A Lava Jato anunciou um cenário desolador no campo ético, agravou a desilusão do brasileiro com o sistema político de representação. Já não bastava o desemprego, a inflação, a escalada da violência e deterioração dos serviços públicos, agora o cidadão brasileiro tinha mais um argumento que sustentava seu desencanto: todos se corromperam.
Os desdobramentos da luta política tem revelado uma estratégia na qual os atores tem buscado dividir para conquistar, ou seja, fomentam a divisão ética, política, econômica e social no intuito de polarizar e atrair cada qual para o seu lado. Por esse motivo temos percebido que as pessoas estão se isolando em suas verdades, procurando pessoas que falem o que querem ouvir e atacando quem diverge de seus pensamentos. Em tempos de especialistas onipresentes, o melhor sempre será ponderar.
Outra visão
Fábio Hoffmann: democracia em tempos de verdade única
Cientista político e consultor eleitoral
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