O filme Spotlight mostra o lado glorioso do jornalismo: aquele que lança luzes sobre as trevas da desinformação. Conspiração e Poder, em cartaz desde sexta-feira no país, revela seu lado cruel: o erro jornalístico, aquele que destrói vidas e reputações. Para quem não assistiu, um resumo: Spotlight retrata o esforço de reportagem do jornal The Boston Globe para revelar o escândalo de pedofilia na Igreja Católica. Conspiração e Poder mostra a investigação de produtores do programa 60 Minutes, da rede CBS, em cujas mãos caem documentos que comprovariam que o ex-presidente George W. Bush, na juventude, fora alocado na Guarda Nacional para fugir da Guerra do Vietnã. O que seria um furo jornalístico revela-se um erro: os documentos eram falsos.
Spotlight detalha o que o jornalismo tem de melhor: o repórter como cão de guarda (watchdog, na expressão americana) da sociedade, que fiscaliza o poder público em nome do leitor. Conspiração e Poder mostra seu lado mais sombrio: a apuração superficial, a pressa em colocar uma reportagem no ar, o furo a qualquer preço.
Dos saberes jornalísticos – de reconhecimento, de procedimento e de narração, o mais fundamental é o segundo. Uma apuração benfeita transforma a aparentemente vulgar história de um assalto a um escritório de um prédio em Washington no maior escândalo da política americana nos anos 1970 – Watergate. Uma apuração malfeita culmina em reputações dilaceradas como no caso da Escola Base, em São Paulo.
Conspiração e Poder põe o dedo na ferida. A partir do equívoco, a CBS contratou uma comissão independente para apurar os procedimentos internos. Há outros casos: só após o escândalo Jayson Blair, o repórter do The New York Times que inventava personagens, nasceu a mais profunda reflexão sobre o papel do jornalismo na sociedade. Do erro da revista Rolling Stone, que publicou um suposto estupro no campus de uma universidade, foi elaborado por Columbia um documento chamado "Uma história de erro jornalístico". Um equívoco pode ser do repórter, do produtor ou do editor. Mas, como nas tragédias aéreas, em geral, é algo que se desenvolve de forma sistêmica: abrange reportagem, edição, supervisão editorial e verificação de fatos. Nenhum jornalista está imune. Só se evitam novos casos a partir da autópsia do erro. Escondido, arrastado para debaixo do tapete, ele corrói, silenciosamente, o maior patrimônio de um jornalista ou de uma instituição de imprensa: sua credibilidade.