Estive em Caracas três vezes nos últimos cinco anos. Cobri eleições e fiz detalhada reportagem sobre a crise local. Conheço a Venezuela, seus pouco democráticos meandros políticos e frágeis instituições. Olho para o passado recente e me vejo retornar ao Brasil suspirando fundo, refletindo sobre o ambiente opressivo que vivi e com pena dos amigos que tenho lá. Tudo parecia distante. Agora, observo o nosso presente e sinto aquele clima se esgueirar para talvez nos alcançar em um futuro não tão distante. Perturbo-me. Tenho pena de nós!
Feitas as constatações acima, resta-me uma suposição, com a qual desafio os diversos leitores que espero estejam me acompanhando. Se você é contra o impeachment, deve pensar que me refiro às estocadas da oposição. Se quer afastar Dilma, sorri com escárnio e, num muxoxo, rosna: esse bocó só se deu conta agora de que os petistas são uns bolivarianos ilustrados. Pena! Vou desagradar e talvez desapontar os dois lados, o que por vezes é recomendável a um jornalista. Como firme defensor das instituições alicerçadas em 30 anos de democracia, afianço-lhes: ambos têm parte nesse pesadelo. O opositor cavouca casos de corrupção com a finalidade única de tirar a presidente que o derrotou em 2014, como uma UDN rediviva. E você, governista, teima em não enxergar que este governo errou muito e errou feio. Se metade das derrapadas de Lula tivesse sido feita por um adversário, ah, você voaria na jugular do sujeito, clamando por Justiça e querendo vê-lo fora da política. É ou não é?
No mundo ideal, deveríamos zelar por instituições sólidas. Recordo o que um dia me disse o venezuelano moderado Henrique Capriles: há golpistas no governo e na oposição. Penso em Capriles me dando esse título para uma das nossas entrevistas. Hoje, ele só quer tirar o presidente Maduro pelo voto, em um constitucional referendo revogatório da metade do mandato, tipo um recall. Naquela entrevista, ele falava dos próprios pares. E é dessa sinceridade que precisamos lá e aqui. Nossas energias deveriam se voltar a uma correção de rumo, não a um Tom & Jerry sem sentido. Sempre se ouviu que o verdadeiro poder e as reais escaramuças políticas estavam no submundo. Muitos, até os mais improváveis agentes, aderiram à engrenagem quando poderiam tê-la implodido. Deveríamos retomar o percurso que tivemos desde a carta interesseira de Pero Vaz de Caminha a Dom Manuel na época das naus insensatas que insistem em singrar nossos mares de águas plácidas.