Conforme sustentou Hannah Arendt (Verdade e política), as relações entre política e verdade são marcadas pela hostilidade. O poder político, orientado à ação, tende a refutar o esclarecimento de fatos que envolvam análise ou julgamento de suas ações, ou que possam dificultar seu agir e seus programas.
O mecanismo judicial e o processo penal sentem de forma mais acentuada essa força de resistência inerente ao agir político na direção de falsificar ou, de qualquer modo, atravancar o esclarecimento de fatos que possam comprometer práticas passadas e futuras.
A constatação, por óbvio, até mesmo pela sua generalidade, vale para qualquer momento histórico, abrange todas as vertentes político-ideológicas. Em diversos níveis, ao longo do tempo, se encontram exemplos da predisposição de vulnerabilidade dos fatos e da justiça perante os interesses do poder político.
Histórico recente do país pode ser considerado não apenas exemplificador da relação de conflito entre política e esclarecimento de fatos, como indicativo das variadas opções na busca de prejudicar a elucidação de supostos delitos, incluindo a tentativa de desqualificação funcional e pessoal do julgador. Situação que surpreende tanto mais pelo fato de a rotina processual brasileira, para corrigir eventual excesso, assegura, quase como regra, a reapreciação das decisões de primeiro grau em três tribunais de recurso (tribunais locais, STJ e STF).
Sob esses aspectos é que se sustenta a vital importância de garantir, de forma efetiva e por todos os mecanismos legítimos, a independência tanto do juiz penal quanto do Ministério Público, pressuposto indispensável para a aplicação da lei de forma igual a todos, e para a efetivação do justo processo.
Parafraseando Kant (A paz perpétua), no momento em que a cidadania assumir que não vale a pena viver em um mundo sem justiça, este direito humano passa a preponderar independente do sacrifício imposto à autoridade política ou a interesses financeiros de qualquer ordem.