Os conceitos de finitude e de urgência tendem a ganhar contornos mais definidos para as mulheres que cruzam a linha dos cinquenta anos, e foi precisamente o que ocorreu para a advogada Eunice Casagrande naquele momento. Uma das protagonistas de nosssa reportagem especial sobre novos rumos depois dos 50 (clique aqui para ler a íntegra), ela hoje tem 53, é especialista em direito do consumidor, casada, mãe de duas filhas — de 28 e 18 anos —, e acredita que nenhuma idade a define. O que a assustou foi a ordem natural da existência humana, a certeza de que a vida de todo mundo um dia termina.
— Por mais que a gente se cuide, tenha uma boa expectativa de vida e condições de ir a um bom médico, vem à cabeça o “se chegar a cem anos é difícil, quer dizer que já passei da metade da vida”. E isso me fez refletir. Será que eu estou fazendo as coisas de acordo com meu propósito? Será que atingi meus objetivos? Será que ainda tenho coisas pra fazer ou daqui para a frente é só lomba abaixo? Por um tempo fiquei muito introspectiva, elaborando o significado desses 50 anos — reflete Eunice.
Desse período de reflexão veio a certeza de que já havia se dedicado bastante ao trabalho, à família, a criar bem as duas filhas, às viagens que fizeram. Mas Eunice enxergava uma lacuna, a mesma que, segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, existe para muitas mulheres nessa fase: “O que fiz para mim, pensando em mim? Pouca coisa” constatou a advogada.
Veio daí uma gana por realizações pessoais, que culminou nas suas primeiras “revoluções aos 50”: iniciou uma nova pós-graduação, um curso de inglês e se tornou protagonista na história que sua família tem com as motos Harley-Davidson. Há cerca de 10 anos, seu marido, Omar Ferri Junior, é “Harleyro”. Esse é o nome dado a quem dirige as motos ou compartilha do lifestyle associado a elas, do qual Eunice já fazia parte — tinha as jaquetas de couro e o amor por esse universo, só que andava sempre na carona.
— Decidi me desafiar e fazer uma coisa que eu mesma achava que não ia dar certo. Duvidava da minha capacidade de aprender a pilotar depois dos 50. Mas aí fiz o curso, fui aprovada de primeira e dois meses depois comprei a minha moto. Pela primeira vez, eu saí da garupa e fui pilotar. Eu tinha medo e confesso que continuo tendo. Mas ele faz parte, precisamos ter medo para respeitar a moto — revela Eunice.
Depois da habilitação, em junho do ano passado, o círculo de amigas aumentou. Eunice agora participa dos grupos de mulheres pilotas Ladies of Harley de Porto Alegre e do Pinks. As viagens de Harley costumam contar com pelo menos 10 pessoas, e os eventos de apaixonados pelas motos ocorrem no Brasil inteiro. Vale mencionar que foram as novas parceiras de aventuras e seus maridos que acompanharam seu “batismo” em 2021, quando dirigiu sua moto, a Raquel, desde a Capital até Tramandaí.
— Pilotar é sempre uma sensação de liberdade. Dentro do teu capacete só tem espaço para ti e teus pensamentos, num misto de solidão e liberdade. É um momento em que eu curto a minha companhia, me faz muito bem. Não exijo nada de mim no sentido de “ah, tenho que ser excelente, andar a 120 km/h, pilotar daqui a Santa Catarina”. Não. Ando dentro das minhas vontades e limitações, com a noção de responsabilidade que tem quem é mãe — aponta ela.
Comprar uma nova Harley-Davidson está nos planos. O modelo atual, Iron 1.200, é um dos mais leves da marca e já está ficando pequeno para a vontade de Eunice de se conhecer sobre duas rodas.