O vazamento de informações sobre um inquérito oculto da Procuradoria-Geral da República (PGR) provocou o cancelamento das operações que, em parceria com a Polícia Federal (PF), poderiam produzir provas contra o deputado federal Elvino Bohn Gass (PT-RS) por suposto envolvimento em esquema que fraudava o Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Agora, o crime de violação de sigilo qualificado é investigado, o que estremeceu a relação entre os órgãos.
A estimativa é de que as fraudes financeiras, cometidas na concessão de benefícios a agricultores pelo programa de incentivo à agricultura familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), tenham desviado R$ 104 milhões para uma associação de Santa Cruz do Sul, sendo que R$ 85 milhões saíram do Pronaf. Os agricultores lesados continuaram pagando os empréstimos sem ter acesso ao dinheiro do financiamento.
As investigações até o momento apontam que a Aspac, que tem mais de 5 mil agricultores associados em Santa Cruz do Sul, recebeu dinheiro do programa entre os anos de 2006 e 2012. A verba obtida pelos financiamentos era desviada para a associação por meio do benefício concedido a laranjas ou aos agricultores. Neste caso, eles solicitavam o recurso por meio da entidade e, junto com os documentos necessários, assinavam uma procuração que era usada para transferir os recursos depositados nas contas dos produtores.
Há relatos de vítimas que identificaram depósitos em um dia, mas no outro a quantia não estava mais na conta. Os indícios apontam a utilização das verbas indevidas na campanha do parlamentar e do vereador do município Wilson Rabuske (PT), que comandava a associação de forma extraoficial para movimentar o esquema. O inquérito aponta, ainda, que a fraude era realizada em parceria com servidores do Banco do Brasil. A instituição financeira abriu sindicância, que resultou no afastamento do gerente da agência do município onde eram feitos os contratos, suspeito de conivência por facilitar a fraude.
As escutas telefônicas que mostram que o deputado atuava no esquema foram interceptadas em 2013. Em uma das ligações, os interlocutores afirmam que a prática servia como uma espécie de caixa dois para as campanhas eleitorais do deputado e do vereador.
A investigação começou pela PF de Santa Cruz do Sul. Uma parte, porém, foi transferida em março de 2014 à PGR, após fortes indícios de que o parlamentar, que tem foro privilegiado e por isso só pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), participava ativamente do esquema.
A primeira operação estava marcada para maio, porém foi adiada a pedido da polícia em razão dos preparativos da Copa do Mundo, conforme relatou um assessor direto do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Entre remarcações da ação, que cumpriria mandados de busca e apreensão, as informações vazaram para a imprensa e foram publicadas.
Com a revelação de que o parlamentar estava sendo investigado e interceptado, a PGR solicitou, no dia 4 de outubro, véspera das eleições, que as diligências programadas de acordo com uma linha de investigação fossem canceladas. O STF aceitou, e o ministro Teori Zavaski determinou a eliminação dos indícios obtidos até a data e o levantamento do sigilo do inquérito judicial, que não era somente sigiloso como oculto, o que significa que sequer sua existência poderia ser mencionada. O número do documento não constava nem na relação de processos do STF.
Em nota, o deputado diz que tentou ajudar os agricultores, mas que está sendo interpretado como parte de algo ilícito. “Nunca sequer cogitei uma coisa dessas. Muito menos, que a minha ajuda pudesse servir para encobrir o que quer que seja. Eu, efetivamente, tentei ajudar os agricultores.”, afirmou.
O fato de as informações sobre o inquérito terem saído de dentro de uma das instituições provocou verdadeira crise entre os órgãos. A PGR investiga quem foi o responsável pelo vazamento, que pode ser punido pelo crime de violação de sigilo qualificado.
As investigações não foram suspensas. Os trabalhos podem seguir desde que outra linha de apuração seja colocada em prática. Os indícios apontam que Bohn Gass agia diretamente no MDA para conseguir decretos que permitissem renegociação de dívidas de produtores, tanto em casos em que eram laranjas, como em outros em que eram usados como autores de movimentações financeiras pelas quais nunca foram beneficiados.