O presidente deposto Bashar al Assad negou, nesta segunda-feira (17), em suas primeiras declarações desde que fugiu da Síria, ter planejado sua partida e classificou os novos dirigentes do país como "terroristas".
Assad partiu para a Rússia há pouco mais de uma semana, após uma ofensiva relâmpago liderada pelo movimento islamista Hayat Tahrir al Sham (HTS) tomar Damasco, encerrando uma ação de 11 dias.
O colapso do regime surpreendeu o mundo e provocou comemorações na Síria e em muitos países com grandes comunidades de sírios exilados desde o início da guerra civil, desencadeada com a violenta repressão aos protestos pró-democracia em 2011.
"Minha saída da Síria não foi planejada, nem aconteceu nas últimas horas da batalha, ao contrário do que dizem certas alegações", afirmou Assad em um comunicado em inglês divulgado pelo Telegram.
"Pelo contrário, eu fiquei em Damasco, cumprindo meu dever até a madrugada" de domingo, 8 de dezembro, declarou.
Assad explicou que, diante do avanço dos insurgentes em direção à capital, se deslocou para Latakia, na costa do Mediterrâneo, "em coordenação" com a Rússia, um de seus aliados no conflito, para "supervisionar as operações de combate".
"Moscou pediu [...] uma evacuação imediata para a Rússia na noite de domingo", detalhou Assad, acrescentando que agora seu país estava "nas mãos dos terroristas".
O grupo HTS, que era um braço sírio da Al Qaeda, afirma ter rompido seus vínculos com o jihadismo, mas continua sendo classificado como "terrorista" por vários governos ocidentais, incluindo Washington e Londres.
- Transição "confiável e inclusiva" -
Após uma reação inicial cautelosa, as chancelarias ocidentais intensificaram esforços durante o fim de semana para estabelecer contato com os novos dirigentes sírios, incluindo Abu Mohammed al Jolani, líder do HTS.
"Não podemos deixar um vácuo", disse a chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Kaja Kallas, antes de uma reunião de ministros das Relações Exteriores do bloco.
Também afirmou que a UE discutirá com as novas autoridades a presença militar e a influência da Rússia em seu território.
Nesse sentido, vários ministros europeus apontaram que "deveria ser uma condição para os novos líderes eliminar a influência da Rússia", acrescentou Kallas.
O enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, reuniu-se no domingo em Damasco com Jolani e reiterou a necessidade de uma transição "confiável e inclusiva", segundo seus assessores.
O Reino Unido e os Estados Unidos também estabeleceram "contatos diplomáticos" com o HTS.
A Turquia, importante ator no conflito e apoiadora das novas autoridades sírias, reabriu sua embaixada em Damasco no sábado e expressou sua disposição de fornecer ajuda militar.
- "Precisamos de paz" -
Vários países e organizações celebraram a queda de Assad, mas disseram que aguardariam para ver como as novas autoridades, muçulmanos sunitas, tratarão as minorias étnicas e religiosas.
Após 50 anos de domínio do clã Assad e uma repressão implacável a qualquer opositor ou suspeito de ser opositor, os novos governantes tentam tranquilizar a comunidade internacional.
O novo primeiro-ministro encarregado da transição até 1º de março, Mohammed al Bashir, prometeu "garantir os direitos de todos".
Em Latakia, o segundo maior porto da Síria no Mediterrâneo, centenas de homens e algumas mulheres, membros das antigas forças governamentais, fizeram fila nesta segunda em frente às instalações onde as novas autoridades pediram que depusessem suas armas e se registrassem.
Segundo o responsável pelo local, Mohammed Mustapha, de 26 anos e ex-soldado no reduto rebelde de Idlib, 400 pessoas compareceram no domingo para a abertura do centro.
"Esperamos pelo menos mil hoje", contou ele, estimando que "pelo menos 10 mil ex-soldados e policiais" deveriam "se apresentar" nesta província, um reduto da minoria alauita, de onde vem o ex-presidente Assad.
"Precisamos de paz, não de novos combatentes", declarou à AFP Mohammed Fayoub, de 37 anos, policial em Hama por 10 anos e natural de Latakia, que se apresentou voluntariamente após ver o aviso nas redes sociais.
Quase 14 anos de guerra civil provocada pela repressão aos protestos pró-democracia na Síria deixaram meio milhão de mortos e seis milhões de exilados no exterior.
- Ataques israelenses -
Israel realizou no domingo intensos ataques contra instalações militares na região costeira de Tartus, incluindo unidades de defesa aérea e "depósitos de mísseis terra-terra", de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).
O governo israelense também aprovou no domingo um projeto do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu para dobrar a população de seus assentamentos nas Colinas de Golã, território conquistado por Israel durante a guerra de 1967 e anexado em 1981.
* AFP