O Uruguai, com 3,4 milhões de habitantes, é um modelo mundial em energias limpas: quase toda sua energia vem de fontes renováveis. Mas, nesta nação com desafios ainda pendentes e que se prepara para escolher seu próximo presidente no domingo (24), o meio ambiente está ausente do debate político.
Com um território apenas um pouco maior que de Inglaterra e Gales combinados, o Uruguai teve 92% de sua matriz elétrica abastecida por energias renováveis em 2023, segundo o Ministério da Indústria e Energia. A participação de fontes fósseis foi de apenas 8%, uma redução pelo terceiro ano consecutivo.
O mundo depende em média de 80% de combustíveis fósseis para a geração de energia, explicou à AFP Lucila Arboleya, analista da Agência Internacional de Energia. A cifra em países desenvolvidos como Dinamarca e Alemanha é de 12% e 46%, respectivamente, de acordo com a empresa de dados Statista e o centro de pesquisa energética Ember.
Como isso foi conquistado pelo Uruguai? A chave foi a vontade política: presidentes de esquerda estabeleceram, desde 2008, as bases para uma política de Estado, acordada entre todos os partidos políticos com representação parlamentar.
Como o Uruguai não possui recursos fósseis, "era uma oportunidade evidente" que foi "bem aproveitada", disse Arboleya.
"Também é verdade que o investimento internacional vai aonde há retorno (econômico) e certeza institucional, e isso não é por causa do tamanho do Uruguai, mas pela sua estabilidade política e econômica e, em particular, pela certeza do cumprimento de contratos", avaliou.
Esse avanço para o Uruguai implicou um investimento público-privado de mais de 8 bilhões de dólares (R$ 46,5 bilhões na cotação atual), de acordo com os registros da agência estatal Uruguay XXI.
Agora, o governo de Luis Lacalle Pou (centro-direita) aposta na mobilidade elétrica e no hidrogênio verde para alcançar a "segunda transição", que busca descarbonizar outros setores que ainda dependem do petróleo, mas também criar um novo setor para exportação no qual o Uruguai pode desempenhar um papel de liderança, afirmam as autoridades.
Existem dois projetos-chave relacionados ao hidrogênio verde. Um é um megaprojeto em Paysandú (noroeste), liderado pela HIF Global, que prevê investir 4 bilhões de dólares (R$ 23,2 bilhões) na produção de combustíveis sintéticos para a Europa.
O outro é o Kahirós, uma planta em Fray Bentos com um investimento de cerca de 40 milhões de dólares (R$ 232,6 milhões) que começará a operar em 2026 para abastecer o transporte pesado com combustível limpo.
- Não apenas a descarbonização -
Apesar dos avanços em energia, o Uruguai ainda enfrenta problemas em várias frentes.
Em Montevidéu, é comum se deparar com resíduos nas ruas ou nas praias sobre o estuário do Rio da Prata.
"Vivemos na porta de nossa casa durante 18 anos com dois contêineres que estavam permanentemente transbordando de lixo", comentou Nicolás Brugnini, um publicitário de 54 anos, durante um recente dia de limpeza na praia de Buceo.
A luta contra "as mudanças climáticas tem múltiplas vertentes" além da descarbonização, destacou à AFP Alejo Silvarrey, doutor em Desenvolvimento Sustentável.
As emissões do Uruguai representam apenas 0,05% das emissões globais. Por essa razão, Silvarrey explicou, "também é importante focar em questões que são nossas", como a gestão dos recursos hídricos, afetados por uma grande seca em 2023, ou a interrupção do acesso às praias devido à presença de cianobactérias.
Além disso, o Uruguai é um país tradicionalmente pecuarista. Segundo o engenheiro agrônomo e especialista em mudanças climáticas Agustin Inthamoussu, também é possível trabalhar no equilíbrio entre a quantidade de carbono que as propriedades pecuárias absorvem e as emissões que geram.
É possível ser "mais eficiente" melhorando a gestão da pecuária e plantando mais árvores nos terrenos, o que dá sombra ao gado, captura mais carbono e produz madeira, explicou.
- Fora da agenda -
Mas, ao contrário do que ocorre em outros países, por que os candidatos não falam sobre os desafios ambientais em suas campanhas eleitorais?
Silvarrey destaca os avanços em matéria ambiental que transcenderam diferentes governos, mas acredita que acontecem "nos bastidores".
"Os partidos políticos ainda não abordam isso porque a sociedade civil não está pedindo", afirmou.
"O meio ambiente foi o grande ausente" na campanha, disse à AFP o jornalista e cientista político Alfonso Lessa. Em seu lugar, "priorizaram outros temas, como o julgamento que cada governo teve sobre o outro, a segurança pública ou a economia".
Carolina Cuesta, uma jovem ativista de 22 anos, considera "muito alarmante" que não se tenha ouvido falar sobre mudanças climáticas no debate entre os dois candidatos, assim como "nos discursos, nas agendas ou nas comunicações, tão básicas como uma postagem no Instagram".
O opositor de esquerda Yamandú Orsi e o governista de centro-direita Álvaro Delgado, praticamente empatados nas pesquisas, disputarão o segundo turno no domingo para suceder Luis Lacalle Pou.
* AFP