Yaser, um engenheiro egípcio de 60 anos, fez a peregrinação hajj em Meca na semana passada sem ter obtido a permissão que vinha solicitando há anos. E hoje ele lamenta amargamente sua decisão.
Embora tenha sobrevivido aos exaustivos rituais desta cerimônia sagrada muçulmana, se perdeu de sua esposa, Safa, no domingo (16), e teme que ela esteja entre as mais de 1.100 pessoas mortas, a maioria egípcios não autorizados, que sucumbiram ao calor sufocante.
"Procurei por ela em todos os hospitais de Meca", disse o homem à AFP por telefone.
Hospedado em um hotel, Yaser hesita em fazer as malas da esposa. "Eu me recuso a acreditar que ela morreu", diz ele.
Um diplomata árabe declarou à AFP que os 630 egípcios identificados entre os mortos eram peregrinos clandestinos que não tinham acesso às tendas climatizadas disponíveis para enfrentar temperaturas que chegaram a 51,8ºC na Grande Mesquita de Meca.
Um alto funcionário saudita afirmou à AFP nesta sexta-feira (21) que "o Estado não falhou", embora tenha admitido que "houve um erro de julgamento por parte das pessoas que não avaliaram os riscos" da situação.
A fonte declarou ainda que as autoridades confirmaram 577 mortes durante os dois dias mais importantes do hajj, sábado e domingo, e detalhou que este era um número parcial.
O Departamento de Estado americano informou, por sua vez, que "vários" de seus cidadãos faleceram durante a peregrinação, sem fornecer mais detalhes.
O hajj é um dos cinco pilares do islã e todo muçulmano que possui os meios necessários deve realizá-lo pelo menos uma vez na vida.
Este ano, reuniu 1,8 milhão de fiéis, 1,6 milhão deles de outros países, segundo autoridades da Arábia Saudita.
As permissões são concedidas segundo um sistema de cotas por país e, em casos como o do Egito, posteriormente são sorteadas entre os fiéis.
Quem tiver sorte deve recorrer a agências de viagens credenciadas, geralmente com preços altos. Por isso, muitos fiéis tentam evitar os circuitos oficiais, sobretudo desde que o reino introduziu os vistos para turista em 2019.
Segundo o funcionário saudita, o número de peregrinos não autorizados chegou a "cerca de 400.000", "quase todos de uma nacionalidade", provavelmente em referência aos egípcios.
- "Corpos no chão" -
Yaser, que não informou seu sobrenome, rapidamente percebeu as dificuldades que enfrentaria por não ter uma autorização. Mesmo antes do início da peregrinação, há uma semana, algumas empresas e restaurantes se recusaram a atendê-lo.
Quando os ritos começaram, com longas horas de caminhada e oração sob o sol escaldante, ele teve que pagar tarifas exorbitantes para embarcar nos ônibus oficiais, único meio de transporte nos locais sagrados.
Exausto pelo calor, ele conta que foi ignorado em um hospital onde buscava por ajuda e que se perdeu de sua esposa na multidão durante o ritual de "apedrejamento do diabo" em Mina, perto de Meca.
Desde então, adiou diversas vezes o voo de volta.
Outros peregrinos egípcios clandestinos descreveram à AFP dificuldades semelhantes e cenas dramáticas durante os rituais em Mina.
"Vi corpos no chão. Também vi pessoas desmaiando repentinamente e morrendo de exaustão", diz Mohamed, 31 anos, um egípcio que mora na Arábia Saudita e realizou o hajj com sua mãe de 56 anos.
Um egípcia conta que viu sua mãe morrer antes que a ambulância chegasse para socorrê-la, e que seu corpo foi levado para um local desconhecido.
"Não temos direito de vê-la mais uma vez antes de ser enterrada?", questionou.
Até mesmo peregrinos autorizados tiveram dificuldades em acessar os serviços de emergência, o que mostra que o sistema estava sobrecarregado, segundo Mustafa, cujos pais, ambos com permissão, morreram após terem sido separados dos familiares que lhes acompanhavam.
"Sabíamos que estavam cansados", disse ele por telefone, do Egito. "Caminharam muito, não encontraram água e fazia muito calor. Nunca mais os veremos", lamenta, especificando que o seu único consolo é que o túmulo de seus pais está em Meca, a cidade mais sagrada do Islã.
* AFP