O presidente do Equador, Daniel Noboa, obteve no referendo deste domingo (21) uma vitória clara na sua política de combate à escalada de violência no país. Nove das 11 perguntas da consulta receberam o "sim" dos equatorianos, e todas estão relacionadas ao endurecimento das medidas de segurança. As únicas rejeições se referem a políticas econômicas e são vistas por analistas como um alerta de que o presidente não tem carta-branca no país.
O resultado deixa claro que a prioridade dos equatorianos é encontrar soluções para a crise de insegurança que se instaurou no país nos últimos anos, evidenciada no assassinato do candidato Fernando Villavicencio nas eleições do ano passado e em atentados em janeiro. A maioria dos equatorianos votou a favor, por exemplo, do uso das forças armadas no combate ao crime organizado, do aumento de penas para crimes como terrorismo e tráfico de drogas e na eliminação das reduções de penas. Também foi permitida a extradição de equatorianos que cometeram crimes de terrorismo, crimes contra a humanidade e outras infrações previstas em convenções internacionais.
De acordo com o ex-oficial da Polícia Nacional Equatoriana e especialista em segurança e inteligência, Kleber Carrión, a vitória do "sim" resulta do cansaço da sociedade equatoriana com a violência no país, que afeta a vida econômica e diária dos cidadãos.
— A violência paralisou o comércio de muitos cidadãos, de pequenos comerciantes, afetou a vida e o cotidiano das pessoas de forma muito dura. O resultado resulta disso — disse.
Parte das medidas entrará em vigor a partir da divulgação no Diário Oficial, enquanto outras precisam da aprovação da Assembleia Geral do Equador, onde a oposição a Noboa se tornou maioria nas últimas semanas. O presidente, que possuía uma popularidade de quase 70% em março, perdeu apoio nas vésperas do referendo por causa de uma crise de energia que paralisou setores econômicos do país e da crise diplomática com a invasão à embaixada do México.
As mudanças relacionadas à segurança são comparadas por analistas à política implementada pelo presidente Nayib Bukele em El Savador, que reduziu o número de homicídios nos últimos anos sob denúncias de violações de direitos humanos e aumento do autoritarismo. Noboa já vinha implementando uma política mais linha-dura para o combate à violência desde que se tornou presidente no fim do ano passado, e o referendo deste domingo foi considerado a ratificação dessa política.
O presidente parecia ter conseguido conter a violência nas primeiras semanas deste ano após os decretos do estado de emergência e de conflito armado interno após uma série de atentados e assassinatos no país em janeiro, mas no último mês a presença das forças armadas nas ruas não impediu o crescimento da violência. Massacres e assassinatos voltaram a ocorrer, incluindo a morte de três prefeitos. Neste domingo, a imprensa equatoriana relatou um motim na prisão de Los Ríos e o assassinato do diretor da penitenciária El Rodeo em Manabí, a sete horas de Quito, enquanto almoçava com a família.
Para Carrión, ainda é cedo para avaliar como as mudanças irão afetar o combate à violência. Isso depende, disse, da maneira como o governo vai implementá-las e de como as medidas serão reformuladas pelos deputados. Ele citou como exemplo o aumento de penas para alguns crimes, que precisa passar pela Assembleia Geral. Os equatorianos votaram a favor do aumento, mas não está especificado o quanto aumentará.
— Se os parlamentares aumentarem um dia da pena, vamos dizer, isso não terá efeito algum — declarou.
O analista ainda afirma que o sucesso do combate ao crime passa por outras medidas que não foram contempladas no referendo, como melhorias nas instituições de investigação e na prevenção do crime.
— Hoje, essas instituições não são eficazes no Equador. As facções de crime organizado não são atacadas estruturalmente. Isso é preciso, assim como políticas públicas para os jovens não deixarem de estudar, caso contrário não faremos muito progresso — declarou.
Plano de reeleição
O referendo deste domingo também foi visto por analistas como um teste político de Daniel Noboa para as eleições do ano que vem.
— A consulta também deve ser interpretada como uma política de publicidade que o governo exige para legitimar suas ações durante esses quatro meses e o que fará no futuro — disse o analista político equatoriano Luis Carlos Córdova em uma entrevista ao jornal El País.
Eleito no fim do ano passado após a renúncia do então presidente Guillermo Lasso, Noboa cumpre um mandato mais curto, até fevereiro do ano que vem, quando pode tentar a reeleição. Segundo os analistas e a imprensa equatoriana, uma vitória do "sim" em todas as perguntas praticamente o colocaria como favorito na disputa. O voto pelo "não" em duas questões, no entanto, envia um recado de que o presidente não tem carta-branca entre os equatorianos.
Somado a isso, há o fato do referendo ter sido um dos mais com maior abstenção da história do país. Quase 30% dos eleitores não compareceram para votar, o que representa 10 pontos a mais do que a média desse tipo de consulta.
A oposição percebeu a fragilidade. Nas redes sociais, o ex-presidente Rafael Correa, líder do movimento Revolução Cidadã e opositor do governo, afirmou que o resultado "colocou um freio" em Noboa.
— É uma clara derrota de um candidato improvisado, de uma pessoa má como Daniel Noboa — declarou.