As gangues que controlam Porto Príncipe atacaram nas últimas horas uma das áreas mais abastadas da capital haitiana, onde 14 corpos foram encontrados na manhã desta segunda-feira (18), em um novo episódio da violência que atinge o país.
Horas antes de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a situação no Haiti, e à espera de que se finalize a formação de um conselho presidencial de transição, os grupos criminosos voltaram a dar mostras de seu poder na capital.
Um fotógrafo da AFP viu 14 corpos em Pétion-Ville, assim como dois moradores, que contabilizaram 10 mortos. Não se sabe em que circunstâncias essas pessoas morreram.
A partir do amanhecer, homens armados passaram a espalhar o terror em Laboule e Thomassin, dois bairros dessa área, onde atacaram um banco, um posto de gasolina e residências, segundo moradores. "Chegaram encapuzados em seus carros, motos e em sua própria ambulância, e massacraram a população de Pétion-Ville", contou Vincent Jean Robert.
Entre as casas saqueadas está a do juiz do Tribunal de Contas haitiano Pierre Volmar Demesyeux, que conseguiu escapar graças à intervenção policial, segundo uma pessoa próxima. O país sofre uma onda de violência desde o começo do mês, quando gangues se aliaram para atacar locais estratégicos de Porto Príncipe, em um desafio ao primeiro-ministro, Ariel Henry.
Muito questionado tanto no Haiti quanto pela comunidade internacional, Henry anunciou em Porto Rico sua renúncia, há uma semana, e a criação de um conselho presidencial de transição. Mas as negociações para formar esse órgão de sete membros, distribuídos entre as principais forças políticas e o setor privado, atrasaram.
O esquerdista Petit Desalin, um dos partidos que deveriam ingressar nesse grupo, renunciou à sua participação, e o Coletivo 21 de Dezembro, do primeiro-ministro, encontrou apenas hoje um candidato de consenso, o ex-senador Louis Gérald Gilles, segundo uma fonte ligada às negociações.
"O processo político está indo bem, mas é frágil, e esperamos o conselho de transição seja anunciado o quanto antes", disse a chanceler da Jamaica, Kamina Johnson Smith, após a reunião do Conselho de Segurança na ONU. Seu desejo é compartilhado pelos Estados Unidos, que manifestaram esperança de que as novas autoridades estejam prontas a partir de hoje.
- Crise humanitária -
"A chave, agora, é avançar na frente da segurança", destacou o embaixador canadense, Robert Rae, após a reunião da ONU. "Tudo isso anda junto: conseguir o acordo político e avançar na segurança."
Autoridades haitianas tentam há dias deter o terror das gangues com medidas como um estado de emergência e toques de recolher noturnos. O Quênia, que prometeu enviar policiais para liderar uma missão internacional de segurança supervisionada pela ONU, suspendeu sua intervenção até que as novas autoridades assumam.
Em meio à insegurança, com o aeroporto fechado e saques no porto, o país mergulhou em uma crise humanitária grave. Para tentar aliviar essa situação, a ONU anunciou hoje o início de uma ponte aérea entre o Haiti e a vizinha República Dominicana, para levar ajuda aos haitianos.
"Por enquanto, são apenas os primeiros voos, mas esperamos que haja um movimento mais regular de helicópteros para poder melhorar o acesso a Porto Príncipe", disse Farhan Haq, porta-voz adjunto do secretário-geral da ONU, António Guterres.
Na véspera, a diretora do Unicef, a agência da ONU para a infância, Catherine Russell, havia alertado para a catástrofe no Haiti. "Muitas pessoas sofrem com a fome e desnutrição e não conseguimos fazer com que a ajuda de que precisam chegue até elas", declarou, em entrevista ao canal americano CBS. "É a pior situação já vista em décadas. É quase uma cena do filme 'Mad Max'."
Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o número de deslocados na área metropolitana de Porto Príncipe aumentou 15% desde o começo do ano. Na capital, 160 mil pessoas não podem retornar às suas casas.
Os Estados Unidos evacuaram ontem 30 de seus cidadãos que ainda estavam no Haiti, em um voo fretado que partiu de Cabo Haitiano e pousou na Flórida, indicou o Departamento de Estado.
* AFP