A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Peru, nesta sexta-feira (22), por violar os direitos a um "meio ambiente saudável" para os habitantes de uma cidade mineradora andina, em uma decisão "histórica" que serviria de precedente no continente, segundo os demandantes.
Na sua decisão, o tribunal continental culpou o Estado peruano "pela violação dos direitos ao meio ambiente saudável, à saúde, à integridade pessoal, à vida digna, ao acesso à informação, à participação política, às garantias judiciais e à proteção judicial em prejuízo das 80 vítimas do caso", em alusão àquelas que apresentaram a demanda.
A cidade mineradora de La Oroya, situada cerca de 3.750 metros acima do nível do mar, foi classificada em 2006 como uma das dez mais poluídas do mundo devido à fundição de metais pesados, atividade iniciada em 1922.
A metalurgia foi o motor da economia da cidade de 20.000 habitantes, mas também adoeceu muitos deles, de acordo com os demandantes que, assessorados por algumas ONGs, recorreram à justiça continental em 2006.
Para a Corte, sediada em San José, "o direito a um meio ambiente saudável constitui um interesse universal e é um direito fundamental para a existência da humanidade", e as atividades do Complexo Metalúrgico de La Oroya (CMLO) o prejudicaram.
- "Precedente fundamental" -
O governo do Peru não comentou a decisão até o momento, enquanto a Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA), que assessorou as 17 famílias que recorreram à Corte, avaliou como "histórica" a sentença.
"Esta sentença é (...) um precedente-chave para a justiça ambiental na América Latina ao ser o primeiro caso no qual a Corte reconhece a responsabilidade de um Estado pela violação do direito ao ambiente saudável", disse Liliana Ávila, coordenadora de direitos humanos e ambiente da AIDA.
"A decisão constitui um precedente fundamental na jurisprudência internacional", indicou, por sua vez, o advogado Christian Huaylinos, da Associação Pró-Direitos Humanos do Peru, entidade que, juntamente com a AIDA, assumiu a defesa das vítimas.
- "Não pude ser mãe" -
"Conseguimos a nossa justiça, a decisão é a favor do povo que foi contaminado", disse à AFP por telefone o demandante Manuel Enrique Apolinário, um professor aposentado de 68 anos, de La Oroya. "Agora o Estado peruano deve cumprir integralmente a sentença", acrescentou.
"É algo pelo que esperamos há mais de vinte anos", declarou Yolanda Zurita, que recebeu com lágrimas a notícia da decisão junto com outros demandantes na cidade andina de Matahuasi, a cerca de 60 km de La Oroya.
A humilde dona de casa de 65 anos disse à AFP que os altos níveis de poluição na cidade mineradora não permitiram que ela fosse mãe e que ainda sofre convulsões e problemas nos brônquios e no pâncreas.
A fundição de La Oroya começou a operar em 23 de novembro de 1922, sob comando da empresa americana Cerro de Pasco Corporation. Em 1974, a companhia foi estatizada, mas em 1997 foi privatizada, passando para as mãos da Doe Run, do grupo americano Renco.
Em junho de 2009, a Doe Run parou as operações por descumprir um programa de proteção ambiental e declarou falência.
No entanto, o CMLO retomou as operações em 2023, desta vez administrado pela empresa Metalúrgica Business Perú, formada por quase 1.300 acionistas que eram ex-funcionários da fundição. Sua nova administração prometeu não poluir.
- Atenção médica gratuita -
"A atividade do CMLO em La Oroya teve um impacto significativo no meio ambiente, contaminando o ar, a água e o solo", descreveu a sentença do tribunal.
Além disso, "a exposição ao chumbo, cádmio, arsênio e dióxido de enxofre constituía um risco significativo para a saúde das vítimas, que não receberam atendimento médico adequado do Estado", acrescentou.
Em 2013, 97% das crianças entre seis meses e seis anos de La Oroya, e 98% das entre sete e 12 anos, tinham níveis elevados de chumbo no sangue, segundo a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH).
A Corte ordenou que Lima faça um diagnóstico sobre a poluição do ar, água e solo na região, forneça atendimento médico gratuito às vítimas e adapte a regulamentação aos padrões permitidos para chumbo, dióxido de enxofre, arsênio, mercúrio e partículas de sólido, entre outras medidas.
* AFP