Por Augusto C. Dall’Agnol
Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS
Após dois anos de guerra na Ucrânia, a atual situação de impasse parece destinada a continuar. Os russos estão conseguindo ganhos territoriais incrementais a um custo enorme em termos de baixas e equipamentos perdidos.
Apesar dos reforços de equipamentos e treinamento ocidentais, e dos sucessos anteriores em Kiev, Kharkiv e Kherson, a contraofensiva ucraniana da segunda metade de 2023 não obteve o sucesso esperado. Embora tenha havido avanços limitados, especialmente contra navios de guerra russos no Mar Negro, não houve ganho terrestre significativo. Pelo contrário, os avanços foram compensados pelos ganhos russos em outras partes do campo de batalha. O planejamento ucraniano foi excessivamente otimista e desconectado da realidade das suas forças armadas.
O combate está agora estagnado em uma guerra de atrito, e a estratégia russa de fazer a Ucrânia pagar por cada metro que tenta avançar mostra sinais de sucesso. A Rússia continuará pressionando para esgotar os recursos de munição e as reservas de pessoal ucraniano. O objetivo é sobrecarregar a Ucrânia através de mobilização industrial e regeneração sustentada das forças de combate. Paralelamente, a Rússia busca minar a determinação do Ocidente em fornecer ajuda militar. Uma vez que essa ajuda tenha sido significativamente limitada, a Rússia poderia iniciar novas operações ofensivas para ganhos significativos no campo de batalha, visando a forçar a capitulação de Kiev em termos russos. O objetivo de Moscou é a vitória até 2026.
Em 2024, a Rússia detém claras vantagens materiais, industriais e de mão de obra, além da iniciativa estratégica. Com o aumento da produção de drones e mísseis de cruzeiro, é provável que Moscou expanda sua campanha de ataques contra a Ucrânia. Sem ajustes significativos, ou se o apoio ocidental hesitar, o caminho atual representa uma alta probabilidade de esgotamento ucraniano.
Quem sobrevive seria o mais adaptável à mudança? Há dois anos ambos os lados estão envolvidos em uma constante batalha de adaptação militar. Inicialmente, a Ucrânia teve uma vantagem significativa, impulsionada pelo rápido apoio Ocidental. Porém, os papéis estão invertidos agora. Enquanto a Ucrânia se destaca na adaptação tática, a Rússia tem sido superior na adaptação estratégica. Ambas as formas de adaptação são cruciais para o sucesso em uma guerra convencional de larga escala, mas a adaptação estratégica desempenha um papel mais decisivo em um confronto prolongado.
Após enfrentar dificuldades em suas primeiras operações militares na Ucrânia, a Rússia reestruturou seu sistema de controle para suas operações. Essa mudança visava a resolver problemas anteriores de desorganização e fragmentação. A nova abordagem resultou em um esforço mais coordenado, com foco em operações terrestres sincronizadas no leste da Ucrânia. À medida que o conflito se estende, é provável que a Rússia melhore sua capacidade de aprender e se adaptar. Essa adaptação estratégica já foi evidente em momentos-chave, como na defesa frente à contraofensiva ucraniana e nos recentes ganhos territoriais russos.
No início de 2023, os russos adotaram defesas profundas. O avanço miliar exige condições permissivas que agora estão ausentes na Ucrânia: defensas avançadas não suportadas logisticamente, com baixa motivação e mal preparadas, ou cujas tropas estão desmotivadas e relutantes em defender posição.
As ofensivas ucranianas em Kiev e Kharkiv em 2022 romperam defesas russas superficiais e sobrecarregadas, e a ofensiva ucraniana em Kherson sobrecarregou uma defesa russa logisticamente insustentável, que estava isolada no lado oeste do Rio Dnieper. A resiliência das defesas profundas e preparadas da Rússia tornará difícil a Ucrânia alcançar um avanço decisivo em breve.
Além disso, Moscou melhorou significativamente sua habilidade de utilizar drones, revertendo a dinâmica anterior em que a Ucrânia liderou seu uso controlado remotamente, semiautônomo e autônomo para várias finalidades, desde reconhecimento até ataques no inicio da guerra. O exército de drones ucraniano deu a Kiev uma vantagem inicial substantiva. Todavia, a Rússia a superou, tanto em quantidade quanto em capacidade de uso de drones e munições aéreas, e essa disparidade provavelmente aumentará. Isso foi alcançado pela mobilização de sua indústria de defesa local e aquisição de tecnologias críticas no Exterior, apesar das sanções ocidentais.
É importante notar que os drones tiveram impacto significativo em vários níveis da guerra. Taticamente, têm sido eficazes no monitoramento e no ataque direto a alvos inimigos. Operacionalmente, contribuíram para o sucesso de missões, como reconhecimento e ataques coordenados. No entanto, estrategicamente, os drones ainda não conseguiram – e não devem conseguir – alterar o desfecho da guerra. Em suma, não permitiram que a Ucrânia rompesse seu impasse com a Rússia, nem incentivaram a Rússia a encerrar a ocupação.
Por fim, Moscou também se adaptou para reduzir o efeito das armas de precisão dispersando melhor suas forças de combate, artilharia e logística. Nesse ínterim, a Rússia aprimorou sua capacidade de aprender e se adaptar na Ucrânia, e a duração prolongada da guerra beneficia Moscou estrategicamente. Após dois anos, as chances de negociações são baixas, e nenhum lado parece capaz de alcançar rápidamente uma vitória decisiva. Capturar Kiev é improvável a curto prazo. Mas, em última análise, Moscou está mais interessada em mudar o cálculo político em Kiev para ser mais favorável à Rússia, em vez de tomá-la fisicamente.