Mohammed Ibrahim tinha acabado de se instalar em Wad Madani após deixar sua casa na capital sudanesa, Cartum, afetada pela guerra que começou em abril.
Agora os combates se ampliaram e ele precisou abandonar tudo pela segunda vez.
Wad Madani, no centro-leste do Sudão, localiza-se a 180 km ao sul de Cartum e recebeu milhares de famílias que, como Ibrahim e seus parentes, fugiram dos combates que, há oito meses, colocam em lados opostos o Exército regular e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR).
Mais de sete milhões de pessoas foram deslocadas pelos combates entre o Exército e os paramilitares no Sudão, informou a ONU nesta quinta-feira (21).
"Segundo a Organização Internacional para as Migrações, até 300.000 pessoas fugiram de Wad Madani, no estado de Aljazira, em uma nova onda de deslocamentos em larga escala. Esses últimos movimentos elevarão a população deslocada do Sudão a 7,1 milhões de pessoas, a maior crise de deslocados do mundo", disse o porta-voz do secretário-geral da ONU, Stéphane Dujarric.
O estado de Aljazira, até agora salvo dos combates, tornou-se refúgio para meio milhão de pessoas, ao ponto de Wad Madani, a principal cidade, acabar se tornando um "centro humanitário", segundo a ONU.
Porém, recentemente, os paramilitares, que já controlam a maior parte da capital, avançaram para o sul, ao longo da rodovia que liga Cartum a Wad Madani, tomando uma cidade atrás da outra.
Em 15 de dezembro, invadiram a cidade e Mohammed Ibrahim e seus parentes tiveram que fugir novamente.
Na terça-feira, após quatro dias de intensos combates em Wad Madani, cerca de 300.000 pessoas haviam fugido do estado, muitas "a pé e em pânico", segundo a ONU.
- Fugindo a pé -
"É uma tragédia humana de proporções gigantescas, que agrava a crise humanitária que, por si só, é terrível no país", advertiu nesta quinta-feira a agência da ONU para as migrações (OIM).
O país africano está em guerra desde 15 de abril, quando começaram as hostilidades entre o chefe do Exército oficial, o general Abdel Fattah al Burhan, e o líder paramilitar das FAR, seu ex-aliado Mohamed Hamdan Daglo.
Ibrahim e sua família se refugiram em Sennar, a 100 km ao sul de Wad Madani, mas têm dificuldades para encontrar um apartamento, explica à AFP.
Outros, como Abdelrahim Imam, de 44 anos, se refugiaram na casa de um amigo em Al Faw, a 75 km de Wad Madani.
Sua família e ele estão abrigados "na casa de um amigo", disse esse homem que deixou sua casa em Cartum há meses.
O conflito deixou mais de seis milhões de deslocados e ao menos 12.000 mortos, segundo a ONU, um balanço incerto seguramente muito conservador, porque várias regiões do país estão sem comunicação.
A OIM enfatizou a "necessidade de um cessar-fogo para evitar uma catástrofe mais ampla".
- Situação humanitária "desastrosa" -
À medida que os paramilitares entravam, os meios de transporte ficavam cada vez mais escassos em Wad Madani.
Omar Husein, de 65 anos, precisou caminhar 10 quilômetros até encontrar um ônibus para ele e sua família.
"Estamos tentando ir para Gedaref", 240 km a leste, explica. "Temos familiares lá e poderemos ficar com eles".
O problema é que tanto em Gederef quanto em Sennar, "a situação humanitária é desastrosa", alerta a Agência da ONU para os Refugiados (Acnur), que adverte para o perigo de "agravamento da crise pelos deslocamentos forçados".
Com cerca de 70% dos hospitais fora de serviço nas zonas de combate, a ONU está muito preocupada com um "sistema de saúde no limite de suas capacidades", e denunciou esta semana as violações generalizadas dos direitos humanos nos combates em Wad Madani.
Nesta quinta-feira, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) apelou para "proteger de todos os civis" e garantir-lhes saídas seguras.
Em paralelo, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) se viu obrigado a suspender temporariamente a ajuda em várias zonas de Aljazira, que viraram um "campo de batalha".
Quase 18 milhões de pessoas estão em situação de "insegurança alimentar grave" no Sudão, segundo o PMA.
* AFP