A África do Sul é um país considerado como um centro de financiamento do grupo Estado Islâmico (EI), que observa o continente africano como um espaço de conquista após a derrota no Iraque e na Síria em 2019.
O país mais desenvolvido da África foi apontado pelo governo dos Estados Unidos, que no ano passado adotou sanções contra empresas e cidadãos sul-africanos suspeitos de facilitar transferências de fundos para o EI e outros grupos islamitas.
"A vigilância foi insuficiente durante 20 anos porque a África do Sul nunca foi afetada por problemas de terrorismo", declarou à AFP Hans-Jakob Schindler, diretor do centro de estudos 'Counter-Extremism Project' (CEP).
"Foram os americanos que afirmaram que algo não estava correto no país", acrescenta o ex-analista da ONU. "Agora, todo o governo está trabalhando nisso.
Em março, o Grupo de Ação Financeira, uma organização de luta contra a lavagem de dinheiro com sede em Paris, incluiu a África do Sul em uma "lista cinza" de países que não atuam com rigor para combater o financiamento de atividades ilícitas.
"Agora é algo reconhecido internacionalmente que somos um centro de operações de financiamento", lamenta a especialista antiterrorismo sul-africana Jasmine Opperman.
"A África do Sul é um campo de caça para transferências de fundos (...) nas mãos de terroristas", afirma a analista, que menciona o papel de ativistas favoráveis à Al Qaeda, ao movimento palestino Hamas ou ao Hezbollah libanês, próximo do Irã.
Martin Ewi, coordenador de um observatório do crime para o Instituto de Estudos de Segurança de Pretória, confirma que "alguns incidentes infelizmente deram a impressão de que a África era um centro de financiamento do terrorismo".
- Aumento de fundos -
O fenômeno está vinculado à naturaleza democrática do país e a um sistema bancário muito desenvolvido e aberto o suficiente para permitir todo tipo de atividades ocultas.
A conscientização sobre o problema coincide com o momento em que o EI, assim como a Al Qaeda, tem na África o eixo central de seu desenvolvimento.
Vários grupos que juraram lealdade ao Estado Islâmico atuam na Somália, na região do Sahel, nos países atravessados pelo lago Chade, em Moçambique ou na República Democrática do Congo.
"Acontece há cinco anos. A África se tornou mais e mais importante para o EI", explica Schindler.
Mas o papel da África do Sul na proliferação do grupo começou há mais de uma década, destaca Ryan Cummings, analista da consultoria privada Signal Risk, que tem sede na Cidade do Cabo.
Ele cita informações dos serviços de espionagem de que grupo Al Shabab da Somália movimentou recursos após os ataques a um shopping center em Nairóbi em 2013.
"Evidentemente, com o incentivo do EI e a sua presença direta em Moçambique, emerge a tese de um aumento de fundos (...) da África para Moçambique e grupos do continente africano, em particular a filial do EI na RDC", afirma Cummings.
O coquetel é explosivo: um sistema financeiro que funciona bem, uma comunidade muçulmana ativa e importante, uma democracia com fronteiras porosas, corrupção endêmica e organizações criminosas estruturadas há muito tempo.
- 57.000 cartões SIM -
"No alvo há personalidades extremistas sul-africanas bastante conhecidas, que estão em atividade há muitos anos. Eles se aproveitam de estruturas financeiras abertas", resume Tore Hamming, do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, que tem sede em Londres.
Os fundos procedem de um amplo leque de atividades: do tráfico de drogas ou minerais preciosos a sequestros e extorsões com perfis falsos no aplicativo de encontros Tinder.
As estatísticas da polícia sul-africana mostram que o número de sequestros dobrou, a 4.000, entre julho e setembro de 2022, na comparação com o trimestre anterior.
O Tesouro dos Estados Unidos também aponta a existência de empresas de fachada que trabalham nos setores de pedras preciosas, ouro ou construção civil.
O dinheiro circula através de milhares de transferências com valores baixos e que não chamam a atenção.
O equivalente a 340 milhões de dólares saiu da África do Sul e seguiu para o Quênia, Somália, Nigéria e Bangladesh por meio de quase 57.000 cartões SIM não registrados entre 2020 e 2021, de acordo com uma investigação do jornal sul-africano Sunday Times.
Este é um processo que nem os serviços secretos mais competentes do planeta conseguem detectar. Outros recursos são movimentados pelo sistema 'hawala', um método de pagamento informal baseado na confiança, ainda mais difícil de rastrear.
- Reabertura de casos antigos -
A magnitude dos fundos destinados aos extremistas ainda é desconhecida, assim como a distribuição entre as filiais regionais dos grupos.
Mas dinheiro não falta: os grupos jihadistas "ganham mais do que o suficiente", afirma Schindler.
Documentos internos do EI, obtidos por Tore Hamming, mostram que a filial fica com metade do dinheiro arrecadado na Somália. Outros 25% são enviados à central da organização e o restante é dividido entre Moçambique e RDC.
Um dos suspeitos sul-africanos acusados pelos Estados Unidos foi identificado como Farhad Hoomer, 47 anos, morador de Durban.
No ano passado, Hoomer foi alvo de sanções do Tesouro americano por "um papel cada vez mais central na facilitação de transferências de fundos do topo da hierarquia para filiais do EI toda a África".
Ele nega as acusações. Procurado pela AFP, o sul-africano afirmou que estava "surpreso" e que não tinha ideia do motivo das sanções. "Espero pelas evidências há um ano", disse.
Detido em 2018, Hoomer foi acusado de preparar ataques com artefatos incendiários perto de mesquitas e estabelecimentos comerciais, mas todas as acusações foram retiradas.
Mas a África do Sul reabriu alguns casos e dá sinais de que pretende sanear seu sistema financeiro. Martin Ewi, que trabalha com o governo, destacou que vários indivíduos estão sendo investigados por eventos que aconteceram em 2017-2018.
"O governo adotou uma estratégia muito voluntarista", acredita.
O Parlamento aprovou diversas leis em ritmo acelerado, incluindo uma sobre lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo, promulgada pelo presidente Cyril Ramaphosa no fim do ano passado.
E no dia 19 de maio, o ministro da Segurança, Khumbudzo Ntshavheni, prometeu que vai trabalhar para que "o território sul-africano não seja mais utilizado para preparar, facilitar ou executar atos de terrorismo, ou para adquirir, movimentar, armazenar e utilizar fundos de apoio ao terrorismo".
* AFP