Autoridades dos Estados Unidos disseram que o ataque de drones ao Kremlin, sede do governo da Rússia, no início deste mês provavelmente foi orquestrado por uma das unidades militares ou de inteligência especiais da Ucrânia, a mais recente de uma série de ações secretas contra alvos russos que preocuparam o governo do presidente estadunidense Joe Biden. O atentado aconteceu em 3 de maio e causou pouco dano. As informações são do jornal The New York Times.
As agências de inteligência estadunidenses ainda não sabem qual unidade realizou o ataque e não está claro se o presidente ucraniano Volodimir Zelensky ou seus principais funcionários estavam cientes da operação, embora alguns oficiais acreditem que Zelensky não.
As instituições avaliaram preliminarmente em parte por meio de comunicações interceptadas nas quais autoridades russas culparam a Ucrânia e outras gravações nas quais autoridades ucranianas disseram acreditar que seu país era o responsável pelo ataque.
Autoridades estadunidenses afirmam que o nível de confiança de que o governo ucraniano autorizou diretamente o ataque de drones ao Kremlin é “baixo”, mas atribuem isso por ainda não terem evidências específicas que identifiquem quais funcionários do governo, unidades ucranianas ou agentes que estavam envolvidos.
Preocupação no governo estadunidense
O ataque parecia fazer parte de uma série de operações que deixaram as autoridades dos Estados Unidos — o maior fornecedor de equipamentos militares da Ucrânia — desconfortáveis. O governo Biden está preocupado com o risco de a Rússia culpar os EUA e retaliar expandindo a guerra para além da Ucrânia.
As agências de espionagem estadunidenses veem uma coalizão frouxa entre unidades ucranianas, que podem ser capazes de conduzir operações dentro e fora da Rússia, usando seu próprio pessoal ou parceiros trabalhando sob sua direção. Algumas dessas missões poderiam ter sido conduzidas com pouca ou nenhuma supervisão de Zelensky, disseram as autoridades.
Além do ataque do drone, as instituições estadunidenses acreditam que os ucranianos foram responsáveis pelo assassinato da filha de um proeminente nacionalista russo, pela morte de um blogueiro pró-Rússia e por uma série de ataques em cidades russas perto da fronteira com a Ucrânia. O mais recente dos quais aconteceu nesta segunda-feira (22).
Embora o ataque do drone tenha causado poucos danos, perfurou a sensação de segurança e invencibilidade que o governo russo tentou retratar em Moscou, apesar do caos que criou com a guerra na Ucrânia.
"Bandeira falsa"
Algumas autoridades estadunidenses inicialmente consideraram a possibilidade de que o ataque do drone ao Kremlin pudesse ter sido realizado pelo governo russo em uma operação de “bandeira falsa” projetada para fornecer aos russos um pretexto para escalar o conflito.
Mas depois do ataque, os Estados Unidos interceptaram comunicações nas quais foram ouvidas autoridades russas discutindo o incidente e as conclusões da investigação preliminar de Moscou sobre o que aconteceu. Nessas discussões internas, os agentes pareceram surpresos com a invasão do drone e culparam a Ucrânia. De acordo com as instituições estadunidenses, essa informação ajudou a convencê-los de que o ataque não foi realizado pelos russos.
— Observar como o Kremlin respondeu sugere para mim que isso foi um constrangimento e uma surpresa para eles, e não uma bandeira falsa deliberada. Os ataques também minam as percepções das capacidades de vigilância do espaço aéreo de Moscou e de que o Kremlin é seguro – essas são percepções importantes que eles gostariam de manter — disse Dara Massicot, analista militar da RAND, referindo-se ao ataque do drone.
Os Estados Unidos também interceptaram conversas ucranianas nas quais as autoridades disseram acreditar que seu país era o responsável pelo ataque. Mas esses funcionários pareciam não ter conhecimento de quem dentro do sistema ucraniano poderia ter planejado ou executado.
O governo estadunidense afirma que alguns agentes secretos ucranianos trabalham de forma independente e sem supervisão direta de Zelensky ou de seus principais assessores. As autoridades dizem que não acreditam que Zelensky aprove todas as operações secretas, e até que ponto ele está ciente delas com antecedência não está claro.
Ataques secretos
Embora os ataques secretos pareçam ter tido pouco efeito até agora no curso do conflito na Ucrânia, eles demonstraram a capacidade dos ucranianos de penetrar profundamente na Rússia. Segundo o governo estadunidense, o objetivo das operações pode ser reforçar o moral ucraniano e perfurar a aura de invulnerabilidade que envolve o presidente russo Vladimir Putin.
Os líderes militares ucranianos às vezes relutam em compartilhar informações com os Estados Unidos sobre planos de guerra, preocupados que espiões russos ou outros possam aprender sobre eles, tornando mais difícil para a Ucrânia surpreender o inimigo. Os ucranianos têm sido especialmente discretos sobre suas operações secretas.
O ataque de drones ao Kremlin ocorreu nas primeiras horas da manhã de 3 de maio, dias antes da Rússia comemorar o Dia da Vitória, marcando a vitória russa sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
O primeiro drone causou um pequeno incêndio; o segundo drone explodiu enquanto duas pessoas examinavam o telhado em busca de danos causados pelo primeiro, mas não foram feridas. Autoridades russas disseram que os drones foram interceptados e destruídos antes que pudessem causar ferimentos.
Uma análise do New York Times do vídeo do ataque mostrou que os drones tinham uma envergadura de cerca de 2,5 metros. O governo estadunidense acredita que os dois drones envolvidos foram lançados de uma curta distância, dentro ou perto de Moscou. Os drones, de acordo com altos oficiais militares, carregavam uma carga explosiva limitada, sugerindo que as detonações sobre o Kremlin foram mais um choque do que uma ameaça real.
As autoridades russas foram rápidas em divulgar o incidente e disseram que foi uma tentativa da Ucrânia de assassinar Putin. A Rússia prometeu medidas retaliatórias e tem atingido o solo ucraniano com bombardeios regulares de mísseis, embora não esteja claro se a escalada ocorreu em resposta direta ao ataque de drones.
No dia do ataque do drone, Zelensky negou publicamente a responsabilidade, afirmando que a Ucrânia luta em seu próprio território e mantém suas armas para se defender, em vez de ataques em Moscou.
—Não atacamos Putin — declarou ele.
Uma rede obscura de grupos guerrilheiros russos reivindicou a responsabilidade por vários ataques, incluindo o do Kremlin. Mas as agências de inteligência estadunidenses não encontraram evidências de que tais grupos sejam responsáveis pelas operações, e alguns funcionários estão céticos quanto à existência de forças significativas de resistência anti-Putin operando dentro da Rússia.