Escondido nos banheiros externos de uma igreja, rezando para não ser encontrado, Michel foi testemunha do massacre perpetrado por rebeldes do Movimento 23 de Março (M23) na vila de Kishishe, no leste da República Democrática do Congo.
"Eles disseram para que se sentassem ao redor de um buraco e começaram a atirar neles", lembra o homem, que usa um nome falso, sobre o massacre de 29 de novembro em sua igreja adventista.
Neste dia, pelo menos 171 civis da vila de Kishishe foram assassinados pelo M23, de acordo com a ONU.
O ataque começou quando rebeldes atacaram a região uma semana depois de lutar contra o exército congolês e as milícias locais.
Há cerca de um ano, os combatentes do M23 - majoritariamente tutsi -, avançam no território congolês, assumindo o controle de importantes rodovias, cidades e postos fronteiriços. Eles instalaram uma de suas bases nas imediações da aldeia por anos.
A tomada de Kishishe fez parte de uma rebelião contra as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), um grupo armado majoritariamente hutu fundado por ex-líderes do genocídio no país vizinho e exilados na RD Congo.
- Cheiro de morte -
Em 29 de novembro, as tropas do M23 começaram a revistar casas e matar todos os homens que encontravam, ação que não contou com a intervenção das forças de segurança congolesas nem dos 'Capacetes Azuis' da ONU.
"Começaram a matar para todos os lados", explica Michel. "Eles disseram que todos os homens que estavam aqui tinham que desaparecer da Terra", completou.
O agricultor de 40 anos lembra da morte de seus vizinhos. "Até o pastor e o filho dele foram mortos", contou ele emocionado.
No topo de uma colina ainda é possível ver um forte do M23, que ainda parece presente na aldeia visto as cápsulas de granadas no chão encontradas entre trincheiras e postos de vigilância.
Além da dificuldade de viver em um local arrasado pelo ataque, os moradores também passam mal com o cheiro forte dos corpos em decomposição.
A certa distância, surge um primeiro corpo em putrefação. Depois vem outro, e depois outros dois. "São maimai", guerrilheiros das milícias locais, diz um homem tapando o nariz.
Fabrice é outro morador da vila que garante ter presenciado a morte de 33 pessoas, inclusive de seus familiares, os quais precisou enterrar forçadamente pelo M23.
Dentre os pelo menos 171 mortos na região, cerca de 120 foram recolhidos e registrados em uma lista manuscrita por uma figura de destaque da região.
"Os Maimai vestiam roupa civil por cima do traje militar, por isso eles (M23) começaram a entrar em cada casa", conta o homem, também sob anonimato.
"Se eles encontrassem um menino de 14 anos ou um homem, eles os matavam, mesmo que não tivessem armas. Foi assim que eles mataram pessoas em Kishishe", exclama.
- Superar o medo -
Outra lista circulou dentro da aldeia com apenas 18 vítimas. Uma testemunha diz que ela foi escrita na presença do M23 durante a visita de três pessoas que vieram de Ruanda, em dezembro, e se apresentaram como jornalistas.
As conclusões desta "investigação" foram posteriormente divulgadas por meios de comunicação próximos das autoridades ruandesas.
Apesar disso, especialistas das Nações Unidas, da União Europeia e dos Estados Unidos criticaram Kigali por seu apoio à rebelião, pelo fornecimento de armas e munições e pela presença de tropas ruandesas em solo congolês.
Com a saída dos rebeldes, a vida tenta voltar às ruas de Kishishe, ainda que as feridas permaneçam abertas.
Em uma das escolas que serviram de base para o M23, crianças brincam em meio a restos de salas de aula queimadas e embalagens de munição. As aulas pararam no dia 22 de novembro, quando a aldeia foi tomada.
Nem o exército congolês, nem a força regional da África Oriental destacada na região ou os Capacetes Azuis ocuparam o vazio deixado pelos rebeldes, agora posicionados 20km a sudeste da aldeia.
Apesar do sentimento de abandono e descaso, os moradores de Kishishe tentam retomar suas vidas e superar o medo de um possível retorno do M23.
* AFP