Embora o país tenha sido tomado por protestos neste domingo (19), o governo francês voltou a defender a aprovação da polêmica reforma previdenciária por decreto. A defesa ocorre na véspera de uma votação chave no Parlamento, com duas moções de censura que determinarão o futuro do governo do presidente Emmanuel Macron.
Macron aspira aumentar a idade da aposentadoria de 62 para 64 anos e aumentar para 43 anos o período de contribuição necessário para receber uma pensão completa, medida que provocou manifestações no país. Depois de semanas de mobilizações nas ruas, o governo usou esta semana uma disposição constitucional — o artigo 49.3 da Constituição — que permite driblar o voto parlamentar para aprovar a reforma.
Após essa controversa manobra, deputados de forças opositoras apresentaram duas moções de censura contra o governo e milhares de manifestantes voltaram às ruas em várias cidades.
O governo de Macron não tem maioria absoluta na Assembleia Nacional, a câmara baixa, embora seus deputados formem o maior bloco. Para que seja aprovada uma moção de censura, é necessário que toda a oposição se una.
"Será o momento da verdade. Vale a reforma da Previdência a queda do governo e a desordem política? A resposta é claramente não", declarou o ministro da Economia, Bruno Le Maire, ao jornal Le Parisien.
O ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, acredita que não haverá união entre os opositores de esquerda, direita e extrema-direita em torno de uma moção de censura, portanto, fracassarão.
"Para isso, teriam que reunir uma coalizão dos 'contrários a', dos 'anti', para obter uma maioria muito heterogênea sem linha política comum", opinou no Journal du dimanche, defendendo mais uma vez uma reforma destinada, segundo ele, a salvar o "sistema de aposentadoria".
Recriar o vínculo
A aprovação de qualquer uma das moções de censura anularia o decreto presidencial e obrigaria a primeira-ministra, Elisabeth Borne, a renunciar. O governo afirma que a reforma é necessária para evitar aprofundar o déficit nas próximas décadas, quando a França enfrenta um envelhecimento da população.
Por outro lado, os críticos do projeto alegam que a reforma impõe uma carga injusta para trabalhadores com baixos salários, mulheres e pessoas com empregos que envolvem desgaste físico. A oposição de esquerda busca se projetar além de segunda-feira para evitar que os protestos percam peso em caso de fracasso das moções de censura.
— A luta continuará, seja qual for o resultado — garantiu o líder de esquerda do partido La France Insoumise, Jean-Luc Mélenchon, na emissora RTL. — Nunca direi que devemos parar de nos manifestar, enquanto a reforma dos 64 anos for proposta, devemos continuar.
Em Paris, a polícia ordenou no sábado (18) o fechamento da Place de la Concorde, localizada em frente ao Parlamento, após duas noites sucessivas de protestos que terminaram em distúrbios e confrontos. Os sindicatos convocaram um nono dia de protestos e greves para quinta-feira. Independentemente do resultado de segunda-feira, o Executivo já foi afetado.
Macron, que fez da reforma seu projeto estrela do segundo mandato, viu sua popularidade despencar em março, para 28%, a mais baixa desde 2019, segundo uma pesquisa realizada antes da aprovação por decreto da reforma.
A presidente do grupo parlamentar governista, Aurore Bergé, reconheceu no domingo que a decisão de aprovar a reforma por via expressa impactou negativamente a opinião pública e que será necessário "recriar o vínculo" com os franceses.
Tensões
As atenções estão voltadas para a votação do partido de direita Les Républicains. Seu líder, Eric Ciotti, já anunciou que não votará a moção de censura, por isso espera-se que seus membros o sigam.
Ciotti alegou no Twitter que sua sede foi vandalizada com pedras e avisou que "não cederá aos novos discípulos do terror". Outros parlamentares favoráveis à reforma também foram alvo de ataques, o que ilustra a tensão que impera no país europeu.
Até agora, as greves só haviam impedido a saída de combustível das refinarias, mas não conseguiram paralisar completamente as operações. Mas a maior refinaria do país, localizada na Normandia (noroeste) e operada pela TotalEnergies, começou a paralisar sua produção. Outras plantas podem seguir o mesmo caminho.
A mobilização também afetou a coleta de lixo em vários bairros de Paris, onde cerca de 10 mil toneladas de resíduos se acumulam.