Dezenas de milhares de mexicanos lotaram o Zócalo, principal praça pública da Cidade do México, no domingo (26), em protesto contra uma reforma do órgão eleitoral, aprovada pelo governo do presidente Andrés Manuel López Obrador no Congresso. A mudança, segundo seus críticos, contraria o sistema democrático com vistas às eleições presidenciais de 2024.
Sob o lema #MiVotoNoSeToca (Ninguém toca no meu voto), uma multidão vestida de branco e rosa, as cores do organismo eleitoral, encheu grande parte do Zócalo, de 21 mil metros quadrados, e várias ruas vizinhas do centro histórico da cidade.
Para o advogado Alejandro Rodríguez, 61 anos, a reforma "é um retrocesso na democracia. Há 40 anos, quem qualificava a eleição era a secretaria de governo (Interior), e este homem (o presidente López Obrador) quer o mesmo para controlar a eleição" presidencial de 2024. Assim como outros manifestantes, Rodríguez ressaltou que também participava do ato para "protestar contra o presidente", a quem acusa de executar políticas que "prejudicam os mexicanos".
A reforma reduz o número de funcionários e o orçamento do Instituto Nacional Eleitoral (INE), entidade encarregada de organizar as eleições. Segundo o presidente, o órgão custa caro aos cofres públicos e teria tolerado fraudes no passado.
— A reforma ataca todas as nossas instituições, quer tirar nossas liberdades — disse Feliciano Vidal, um trabalhador autônomo de 65 anos.
A manifestação foi convocada por várias organizações políticas e civis, reunidas na Frente Cívica Nacional, contrária a López Obrador, que, segundo a lei, não pode disputar a reeleição. Seu partido lidera as preferências de voto com vistas às eleições presidenciais de 2024.
Ramón Cossío, ex-magistrado da Suprema Corte e principal orador do evento, acusou o presidente de querer "se apropriar do sistema eleitoral". Cossío disse esperar que a Suprema Corte derrube a reforma quando se manifestar sobre as ações apresentadas ao tribunal.
— Confiamos neles (os juízes), em seu espírito democrático, na decisão que vão tomar para preservar a vida democrática do país — afirmou no palanque o ex-juiz, a quem o presidente chama de "supercorrupto e hipócrita".
Em resposta ao protesto de domingo, López Obrador, cuja popularidade beira os 60%, convocou seus apoiadores a se mobilizarem em 18 de março por ocasião dos 85 anos da nacionalização do petróleo no México.
Faculdades reduzidas
Outras manifestações foram organizadas em várias cidades do país. Os opositores rejeitam as alterações promovidas por López Obrador, primeiro presidente de esquerda do México, e que foram avalizadas na quarta-feira passada (22) pelo Legislativo, dominado pela situação e seus aliados.
Segundo o autônomo Instituto Nacional Eleitoral (INE), estas mudanças eliminam 85% de seu pessoal de carreira e reduzem a capacidade operacional da entidade. Encarregado de organizar as eleições, o INE assegura que a reforma diminui sua estrutura territorial, ao eliminar 300 juntas distritais, o que fará com que alguns dos 32 estados do país, de 125 milhões de habitantes, tenha um único encarregado do escritório eleitoral.
As mudanças também afetam a atualização e a depuração do colégio eleitoral de cerca de 93 milhões de eleitores, reduz as atribuições do INE para sancionar funcionários públicos que se expressarem a favor de um candidato em campanha, e também desaparece com o pessoal encarregado de capacitar os jurados de votação e se limita a capacidade de monitorar a propaganda eleitoral de rádio e televisão.
Os opositores asseguram que tudo isso afeta a independência do órgão encarregado das eleições e inclina a balança a favor do governo com vistas às eleições de meados do ano que vem.
"Corruptos"
López Obrador desqualificou de antemão o protesto, afirmando que, por trás da manifestação, está um grupo de "corruptos" que quer voltar ao poder para continuar roubando. Para o presidente, os dirigentes do INE têm privilégios inacessíveis a outros funcionários públicos.
O presidente chegou a insinuar que a manifestação era favorável a Genaro García Luna, secretário de Segurança Pública durante o governo do ex-presidente Felipe Calderón (2006-2012)declarado culpado de narcotráfico pela justiça dos Estados Unidos. O presidente mexicano alega, ainda, que lhe "roubaram" as eleições presidenciais de 2006 e 2012.
A reforma eleitoral foi avalizada pelo Congresso depois do fracasso, em dezembro, de uma reforma constitucional com a qual a situação propunha eliminar o INE. Em 13 de novembro de 2022, uma manifestação com diferentes vertentes na Cidade do México rejeitou esta proposta. López Obrador reagiu, mobilizando dezenas de milhares de seus apoiadores na capital.