A violência nas manifestações que ocorrem há uma semana e já causaram sete mortes levou na quarta-feira (14) o novo governo peruano a declarar estado de emergência em todo o país por 30 dias. A partir de agora, as Forças Armadas podem dar apoio tático à polícia para preservar a ordem pública. A nova presidente, Dina Boluarte, já havia declarado emergência, mas apenas nas áreas afetadas pelos distúrbios.
Confrontos foram registrados em Lima na noite de terça-feira (13), mas havia a sensação de calma nas ruas da capital na quarta (14). Os peruanos afirmam que a calmaria não significa paz, mas uma expectativa sobre o que deve acontecer após a entrada em vigor do estado de emergência. Segundo o decreto, não haverá toque de recolher, mas os direitos constitucionais serão suspensos.
Durante o estado de emergência, a polícia e o Exército podem entrar em casas sem aviso prévio se considerarem que há algum risco. Também podem desmobilizar qualquer tipo de reunião social, seja um protesto ou uma festa de aniversário, e impedir as pessoas de viajarem para outras cidades.
Para analistas, a medida era a única saída do governo neste momento, mas pode ter um resultado ainda mais desastroso dado o histórico das Forças Armadas peruanas.
— A declaração de emergência pode incentivar mais rebeldia e piorar os protestos. As forças militares peruanas não têm antecedentes positivos em matéria de direitos humanos no momento de enfrentar manifestações sociais. Há um grande risco de que a repressão seja excessiva e acabe em mais protestos — afirma Carlos Meléndez, analista político e integrante do 50+1 Grupo de Análises Peru.
Meléndez diz que o governo tinha a alternativa de mobilizar as Forças Armadas para proteger ativos estratégicos sem a necessidade de declarar estado de emergência, mas isso deveria ter sido feito no começo dos protestos. Desde a tentativa de golpe do ex-presidente Pedro Castillo, há uma semana, manifestações se espalham pelo Peru pedindo a realização de eleições gerais antecipadas. Algumas pedem a soltura de Castillo.
Estradas continuavam bloqueadas na quarta em 14 das 24 regiões do país e quatro aeroportos que haviam sido tomados ainda estão sem funcionar. Os locais com mais distúrbios estão ao sul, onde fica a cidade turística de Cuzco, Arequipa e Apurímac.
— É uma decisão dura, mas necessária diante da situação de descontrole, principalmente fora de Lima. Houve ataques a empresas privadas e instalações estratégicas. Creio que não havia outra opção — afirma o analista político José Carlos Requena.
Segundo o Ministério da Saúde, os protestos em Lima, Apurímac, Huancavelica e Arequipa deixaram 7 mortos e 168 feridos.
Boluarte, que assumiu a chefia de Estado após a destituição de Castillo, afirmou na quarta-feira que acredita ser viável a antecipação das eleições gerais para dezembro de 2023. Após o aumento dos protestos, Boluarte, que inicialmente dizia que ficaria no cargo até 2026, quando acaba o atual mandato, apresentou uma proposta ao Congresso para antecipar as eleições para abril de 2024.
Reformas
A medida não foi suficiente para conter os manifestantes, que pedem eleições já. A data de 2024 foi proposta para dar tempo ao governo de fazer reformas eleitorais antes da nova votação.
— Sem as reformas, se prevê que as consequências (de uma nova eleição) serão as mesmas: fragmentação política e facilidade de corrupção no financiamento partidário em uma nova campanha eleitoral. Mas não estamos no melhor momento para reformas pré-eleitorais enquanto o país pega fogo, literalmente — diz Melendez.
O Congresso - eleito em 2021 - discutirá nesta quinta (15) a antecipação das eleições, mas o cenário é incerto. Alguns congressistas acham que a votação não deve ser antecipada, outros divergem sobre a data: se fala em fim de 2023 e até mesmo abril.
Castillo
Hoje será votado também o pedido de prisão preventiva de Castillo. Ele está preso em uma base policial desde o dia 7, quando tentou dar um autogolpe e foi destituído pelo Congresso. Um pedido de liberdade foi negado na quarta-feira, pois a Justiça considerou que há risco de fuga. O ex-presidente é acusado de rebelião e conspiração e pode ficar 18 meses preso preventivamente.