Frente ao aquecimento global e à urbanização galopante, é preciso construir escritórios e moradias com alta eficiência energética e tecnologias inteligentes, integrando climatização e vegetalização, retornar a materiais tradicionais como a terra, de uma forma descarbonizada e local - ou ambos?
Confira a seguir o ABC da da transição da construção e dos materiais usados em obras.
A. AÇO (VERDE)
Para construir os 246 bilhões de metros quadrados levantados em 2020 em todo o planeta (+1% em relação a 2019), o cimento e o aço se mantiveram de longe os dois principais materiais usados e os maiores emissores de CO2.
Para tornar a construção mais verde, as siderúrgicas, sobretudo na Europa, preveem produzir um aço "verde" até 2050, substituindo o carvão, altamente emissor de CO2, pelo hidrogênio verde para fundir o minério de ferro. Mas os investimentos previstos são gigantescos e "isso deve aumentar os custos em 30%", prevê Christian Gollier, diretor-geral da Toulouse school of economics.
C. CONCRETO + CIMENTO
Catorze bilhões de metros cúbicos de cimento são produzidos por ano, segundo a Associação Mundial do Cimento e do Concreto, sediada em Londres.
A China, sozinha, consumiu 50% mais cimento entre 2011 e 2013 do que os Estados Unidos durante todo o século XX, ressalta o geógrafo britânico David Harvey. No entanto, o concreto emite mais que a aviação devido à presença de cimento, cujo ligante, denominado clínquer, deve ser aquecido a 1.400 graus para sua fabricação.
Uma esperança científica sutil: por biomimetismo com os corais, é possível fabricar cimento a partir de carbonato de cálcio, que sequestra CO2!
Enquanto isso, para a construção em massa, todo o setor aposta em concretos descarbonizados, nos quais o cimento é substituído pela "escória", um rejeito da siderurgia. Mas a "siderurgia é, por si própria, grande emissora de CO2", afirma Christine Leconte, presidente do Conselho da Ordem dos Arquitetos na França, que prefere apostar em materiais "locais", terra ou pedra, para reduzir as emissões.
C. CLIMATIZAÇÃO - CALEFAÇÃO
Segundo um estudo do laboratório nacional de energias renováveis de Palo Alto, Califórnia (EUA), publicado em março, a climatização é responsável, sozinha, por 4% das emissões de gases de efeito estufa globais. Um círculo vicioso: quanto mais o planeta esquenta, mais os climatizadores se multiplicam.
Certos arquitetos, como o zimbabuano Mick Pearce, conceberam sistemas de climatização biomimética, inspirados na natureza. Inspirado nos cupinzeiros, que regulam sua própria temperatura deixando uma série de dutos que permitem o ar circular, ele concebeu o maior imóvel comercial de Harare, o Eastgate. O prédio se refresca à noite estocando o ar fresco e expulsa o calor durante o dia.
Alguns sistemas de ventilação, onde a calefação inspirada na circulação das abelhas dentro de uma colmeia ('swarm logic' ou comportamento coletivo ou descentralizado), em que os aparelhos de um mesmo imóvel são conectados entre si, permitindo também regular os picos de demanda.
E. EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
Este é o principal desafio a superar porque o tipo de energia usada para aquecer ou resfriar um edifício determina o volume de suas emissões. Em 2020, os investimentos globais no setor tiveram um avanço sem precedentes de 11,4% para cerca de 184 bilhões de dólares, segundo relatório da Aliança Mundial para Edifícios e Construção, entidade da ONU. Mas, ainda está longe da meta a alcançar para cumprir os compromissos do Acordo de Paris para o clima: as emissões de CO2 vinculada à construção devem diminuir em 50% até 2030 em comparação a 2020, ou seja, 6% ao ano, o que implica em uma diminuição de 45% no consumo de energia por metro quadrado no mundo, um ritmo cinco vezes mais rápido do que foi feito até o presente.
I. ISOLAMENTO
Face às ondas de calor ou frio, vale mais investir em um melhor isolamento dos prédios do que recorrer maciçamente à climatização ou ao aquecimento. As paredes conservam mais o calor do que o vidro, mas o envidraçamento duplo se desenvolve por toda parte, e alguns prédios do norte da Europa usam o envidraçamento triplo.
J. "JARDIM DE CHUVA"
Concebido para captar a água da chuva que escorre do telhado de uma casa ou de um corredor, o jardim de chuva retém brevemente a água após a precipitação. Estes jardins, constituídos de rochas, plantas e arbustos, adaptados às condições secas, fazem parte das soluções de adaptação ao aquecimento baseados na natureza.
M. MATERIAIS ECOLÓGICOS OU GEO-FONTES
Madeira, cânhamo, cortiça, linho, palha, isolamento de celulose: estes materiais, obtidos de material vegetal renovável, concorrem significativamente para a estocagem do carbono atmosférico e a preservação dos recursos naturais. Seu uso é encorajado tanto na construção quanto no isolamento ou em reformas.
Na África, onde alguns destes materiais foram longamente usados na moradia tradicional, o problema é que o crescimento urbano galopante ocorre essencialmente com base na construção em cimento e aço, critica a geógrafa Armelle Chopin.
R. REDUZIR/RECICLAR/REUSAR
"Nós tentamos dar uma segunda vida aos materiais. Às vezes, eles vêm do canteiro de obras e nós tentamos transformar obstáculos em soluções. Reduzir os materiais é a melhor forma de diminuir a pegada de carbono na construção", explicam Irene Perez e Jame Mayol, fundadores do escritório de arquitetura Ted'Arquitectes em Palma de Maiorca, Espanha. Ambos defendem o reuso de materiais, assim como um número crescente de arquitetos.
A construção de uma casa individual consome 40 vezes mais recursos do que a reforma, e a de um edifício com múltiplas moradias, cerca de 80 vezes mais, acrescenta a francesa Agência de Meio Ambiente e Gestão de Energia.
T - TERRA CRUA
A construção de terra crua, ancestral, está em pleno renascimento. E a indústria quer desenvolver técnicas por massificar novamente o uso de solo-cimentos.
Entre as técnicas disponíveis ao gosto do cliente estão: a taipa (terra compactada e encofrada), o adobe (terra crua misturada com palha ou esterco de animais), o 'bauge' (camadas sucessivas de adobe retidas sem armação).
A terra, material acessível, contribui para regular a umidade e à manutenção das temperaturas interiores, sobretudo em casos de ondas calor.
Pode ser encontrada no Canadá (Centro Cultural do Deserto Nk'Mip), na região austríaca de Vorarlberg ou sob a forma de painéis pré-fabricados de taipa em Lyon, na França.
O estúdio Renzo Piano entregou em 2021 a uma ONG italiana um hospital infantil em Entebbe, Uganda, todo em taipa, construído a partir de terras de escavação, coroado por painéis fotovoltaicos.
O arquiteto teuto-burquinense Francis Kéré, agraciado com o prestigioso prêmio Pritzker em 2022, faz construções com materiais locais, como a terra, sua marca registrada, com o selo "high tech durable".
U - URBANISMO
Especialistas recomendam retardar as novas construções, favorecer as reformas no centro das cidades, deter a expansão urbana, inclusive "reconstruir a cidade sobre a cidade".
V - VIDROS FOTOVOLTAICOS
Painéis de vidro permitem produzir eletricidade a partir da luz do sol. Ainda muito cara, esta técnica emergente deve ser usada nos edifícios conectados do futuro, mas esbarra na escassez de materiais, particularmente os de silício.
* AFP