Ucrânia e Rússia assinaram, nesta sexta-feira (22), um acordo com a Turquia e as Nações Unidas sobre a exportação de grãos e de produtos agrícolas através do Mar Negro, a fim de aliviar a grave crise alimentar mundial, um avanço diplomático após cinco meses de conflitos.
Após várias rodadas de negociações, as delegações de Kiev e Moscou assinaram dois textos idênticos, mas separados, conforme solicitado pelo governo ucraniano, que se recusou a assinar qualquer documento diretamente com os russos.
O acordo, negociado desde abril sob os auspícios da ONU e da Turquia, estabelece "corredores seguros" para que navios ucranianos entrem e saiam de três portos do Mar Negro: Odessa e seus satélites Pivdenny e Chornomorsk.
Ambas as partes também concordam em "não atacar" os navios de seus oponentes, de acordo com um funcionário da ONU.
"Hoje há um raio no Mar Negro: um raio de esperança, um raio de possibilidade, um raio de alívio", reagiu o secretário-geral da ONU, António Gutteres, durante a cerimônia realizada no Palácio de Dolmabahçe.
O acordo "aliviará os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome", disse.
O documento foi assinado com validade de quatro meses e será renovado automaticamente. As operações serão monitoradas por um centro de coordenação em Istambul, que garantirá o cumprimento do acordo.
Este é o primeiro grande pacto selado por ambos os lados desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro.
- "Caminho para a paz" -
O conflito, que já deslocou milhões de pessoas e deixou milhares de mortos, está sendo travado entre dois dos maiores produtores de grãos do mundo.
Cerca de 25 milhões de toneladas de trigo e de outros cereais estão atualmente bloqueadas nos portos da região de Odessa pela presença de navios de guerra russos e minas colocadas por Kiev para defender sua costa.
Antes de selar o acordo, Kiev alertou que qualquer violação do documento por parte de Moscou e qualquer incursão a portos ucranianos teriam uma "resposta militar" imediata.
"Confiamos na ONU como promotora deste acordo, como instituição e no secretário-geral", disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, durante uma entrevista coletiva.
"Confiamos na ONU. Agora é sua responsabilidade garantir que o acordo seja respeitado", afirmou o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky.
O ministro da Defesa russo, Sergey Shoigu, assegurou que Moscou não aproveitará o fato de que os portos ucranianos "ficarão livres de minas e abertos".
Também observou que a Rússia conseguiu que Washington e Bruxelas se comprometessem separadamente a suspender todas as restrições às suas próprias exportações de grãos e outros produtos agrícolas.
Para o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, o acordo poderia reavivar "o caminho para a paz". O mandatário turco desempenhou um papel fundamental nas negociações e mantém boas relações com Moscou e Kiev.
A Turquia se ofereceu para ajudar na desminagem das águas do Mar Negro para facilitar as exportações de grãos.
O acordo foi bem recebido pelas potências ocidentais, que instaram Moscou a cumpri-lo.
"O acordo de Istambul é um passo na direção certa. Pedimos que seja implementado rapidamente", declarou o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell.
Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, pediu a implementação rápida do acordo "para evitar que os mais vulneráveis do mundo caiam em mais insegurança [alimentar] e desnutrição".
Diplomatas esperam que o grão comece a ser exportado em meados de agosto. Segundo o ministro da Defesa russo, o acordo já poderá ser implementado "nos próximos dias".
- "Esperança" -
No terreno, porém, ainda há dúvidas entre os agricultores de que o acordo será cumprido.
Para Mykola Zaveruja, um agricultor ucraniano que tem cerca de 13.000 toneladas de grãos para exportar na área de Mykolaiv, o anúncio lhe dá "esperança". Ele diz, porém, que "não dá para acreditar no que os russos dizem".
"A Rússia não é confiável, tem demonstrado isso ano após ano", comentou, em entrevista à AFP.
Apesar do avanço da diplomacia, a guerra continua no terreno, e as forças russas mantêm sua ofensiva na região de Donetsk, no leste.
Pelo menos cinco pessoas morreram, e dez ficaram feridas nesta área nas últimas 24 horas, segundo a Presidência ucraniana.
"Ninguém precisa de nós aqui, não sobrou ninguém, as autoridades se foram, devemos nos manter vivos", disse Lyudmila, 64, em Chasiv Yar. Mais de 45 pessoas morreram nesta cidade em 10 de julho após um ataque.
A Rússia disse esta semana que os alvos de Moscou não estão mais limitados ao leste da Ucrânia. Depois do fracasso na tomada da capital Kiev no início da invasão, a Rússia reorientou sua ofensiva para o Donbass, parcialmente controlado por separatistas pró-Rússia desde 2014.
* AFP