A Suprema Corte dos Estados Unidos pode eliminar o direito ao aborto, de acordo com o rascunho de uma opinião majoritária do tribunal que acabaria com quase 50 anos de proteções constitucionais.
O rascunho de 98 páginas, obtido pelo site Politico, foi redigido pelo juiz Samuel Alito e distribuído dentro do tribunal de maioria conservadora.
Depois do vazamento do rascunho, centenas de pessoas se reuniram diante da sede da Suprema Corte em Washington, algumas para protesta e outras para celebrar a notícia.
O texto com data de 10 de fevereiro afirma que a decisão histórica do caso Roe contra Wade de 1973, que estabelece o direito ao aborto, é "gravemente equivocada desde o início".
"Consideramos que Roe e Casey devem ser anulados", escreve Alito no documento, que recebeu a classificação de "Opinião da Corte" e foi publicado no site do Politico. "É hora de prestar atenção à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos pelo povo".
No caso Roe contra Wade, a Suprema Corte do país decidiu que o acesso ao aborto é um direito constitucional da mulher.
Em uma sentença de 1992, Planned Parenthood contra Casey, o tribunal garantiu o direito da mulher a um aborto até que o feto seja viável fora do útero, o que normalmente ocorre entre 22 a 24 semanas de gestação.
"O aborto apresenta uma profunda questão moral", escreveu Alito. "A Constituição não proíbe os cidadãos de cada estado de regular ou proibir o aborto".
"A conclusão inevitável é que o direito ao aborto não está profundamente enraizado na história e nas tradições da nação", completou o juiz.
Se o tribunal confirmar a opinião, os Estados Unidos voltariam à situação anterior a 1973, quando cada estado era livre para proibir ou autorizar o aborto.
Com as importantes divisões geográficas e políticas sobre esta questão, metade do país, especialmente no sul e no centro conservador e religioso, poderia banir rapidamente os procedimentos.
- Manifestações espontâneas -
Sem esperar a decisão oficial, centenas de pessoas se aproximaram da sede da Suprema Corte, em Washington D.C., para protestar ou celebrar na segunda-feira à noite.
Entre a multidão que gritava "meu corpo, minhas regras", Abby Korb, estudante de 23 anos e assistente parlamentar, disse que estava "literalmente em estado de choque".
Para ela, "proibir o aborto não vai acabar com eles, vai simplesmente torná-los mais perigosos".
Claire Rowan, 55 anos, mãe de sete filhos, não escondeu o entusiasmo e disse que espera que as pessoas "peçam perdão a Deus" para que os Estados Unidos possam "se curar".
Os direitos reprodutivos sofreram várias ameaças nos Estados Unidos nos últimos meses, à medida que os estados liderados pelos republicanos avançaram para aumentar as restrições.
O rascunho divulgado está vinculado precisamente a uma lei do estado do Mississippi, que busca proibir a maioria dos abortos após 15ª semana de gestação.
Em dezembro, ao discutir o texto, os juízes da Suprema já deram a entender que pretendiam anular a decisão Roe contra Wade.
A decisão dos nove membros do tribunal, dominado por conservadores (com uma balança 6-3) após a nomeação de três juízes pelo ex-presidente Donald Trump, é aguardada para junho.
- Projeto "ultrajante" -
Os democratas, liderados pelo presidente Joe Biden, tentam proteger o acesso ao procedimento e vários líderes do partido reagiram ao vazamento com pedidos para que a decisão Roe contra Wade passe a integrar a lei.
A Câmara de Representantes aprovou uma proposta neste sentido, que caiu no Senado diante da feroz oposição republicana.
O vazamento do texto é algo extraordinário porque a questão ainda está em debate. O site Politico afirmou que esta é a primeira vez na história moderna que um rascunho de opinião é divulgado publicamente.
Questionada sobre o documento divulgado, uma porta-voz afirmou que a Suprema Corte "não tem comentários".
O Instituto Guttmacher, grupo de pesquisa que defende o direito ao aborto, afirmou que é "certo ou provável" que 26 estados proíbam o aborto se a decisión Roe contra Wade for anulada.
A organização Planned Parenthood, que administra clínicas de aborto em todo o país, afirmou que o projeto de parecer é "ultrajante", mas advertiu que "não é definitivo".
* AFP