As adolescentes afegãs retornaram nesta quarta-feira (23) aos colégios do Ensino Médio, sete meses após a tomada de poder pelos talibãs, mas poucas horas depois do reinício das aulas os líderes do governo islamita determinaram o retorno das jovens para casa, em uma mudança política repentina que provocou grande confusão.
"Hoje, a promessa de um retorno à escola para milhões de mulheres alunas de ensino médio foi quebrada no Afeganistão. É um retrocesso enorme. O acesso à educação é um direito fundamental", disse no Twitter a chefe da Unesco, Audrey Azoulay.
"A Unesco reitera seu apelo: as mulheres devem ser autorizadas a voltar à escola sem prazos adicionais", insistiu Azoulay.
Os Estados Unidos também condenaram a decisão do Talibã nesta quarta-feira.
"Nós nos juntamos a milhões de famílias afegãs hoje para expressar a nossa profunda, profunda decepção e condenação com a decisão do Talibã de não permitir que mulheres e meninas voltem à escola após a sexta série", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.
O ministério da Educação não deu qualquer explicação clara, apesar de, na capital, as autoridades terem organizado uma cerimônia para marcar o início do ano letivo.
"No Afeganistão, especialmente nas aldeias, as mentalidades não estão prontas", disse a repórteres o porta-voz do ministério da Educação, Aziz Ahmad Rayan. "Temos algumas restrições culturais, mas os principais porta-vozes do Emirado Islâmico vão oferecer melhores esclarecimentos", acrescentou.
De acordo com uma fonte talibã entrevistada pela AFP, a decisão teria sido tomada após uma reunião de altos dirigentes realizada na noite de terça-feira em Kandahar (sul), berço do movimento fundamentalista islâmico que de fato governa o país.
Uma equipe da AFP esteve no colégio Zarghona de Cabul, um dos maiores centros de ensino da capital, quando um professor entrou e ordenou que as alunas retornassem para casa. Abatidas, as estudantes reuniram seu material, entre lágrimas, e deixaram o local.
"Vejo minhas estudantes chorando e relutantes em deixar a aula", afirmou Palwasha, professora na escola para mulheres Omra Khan de Cabul. "É muito doloroso ver as suas estudantes chorando", acrescentou.
A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse em um comunicado que "compartilha a profunda frustração e decepção das estudantes afegãs".
Bachelet considerou a "incapacidade das autoridades de respeitar seu compromisso" como algo "profundamente prejudicial" ao Afeganistão.
A ativista paquistanesa Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz e ativista de longa data pela educação das mulheres, também expressou indignação.
O Talibã "continuará a encontrar desculpas para impedir que as meninas aprendam porque tem medo de meninas educadas e mulheres autogovernadas", disse Malala, que sobreviveu a uma tentativa de assassinato do Talibã paquistanês quando tinha 15 anos.
Quando os talibãs tomaram o poder em agosto de 2021, as escolas estavam fechadas devido à pandemia de covid-19, mas apenas os homens e as mulheres do ensino básico foram autorizados a retornar às aulas dois meses depois.
A comunidade internacional considera o acesso das mulheres às escolas um ponto fundamental nas negociações de ajuda e reconhecimento do regime islamita, que em seu mandato anterior (1996-2001) proibiu a educação para as mulheres.
- "Responsabilidade" -
Nesta quarta-feira, a ordem de reinício das aulas não foi seguida de maneira igual em todo o país. Em Kandahar (sul), berço do movimento Talibã, o retorno estava previsto para o próximo mês.
Mas vários colégios abriram as portas na capital e em regiões como Herat ou Panshir, ao menos por algumas horas.
"Todas as estudantes que vemos hoje estavam muito felizes e com os olhos bem abertos", declarou à AFP Latifa Hamdard, diretora da escola Gawharshad Begum de Herat.
Os talibãs alegaram que precisavam de tempo para garantir que as jovens com idades entre 12 e 19 anos permaneceriam bem separadas dos homens e que os centros de ensino fossem administrados de acordo com os princípios islâmicos.
"Não abrimos as escolas para agradar a comunidade internacional ou para obter o reconhecimento do mundo", disse Ahmad Rayan, porta-voz do ministério da Educação.
"Nós fazemos isto como parte da nossa responsabilidade de fornecer educação e estruturas educacionais a nossas alunas", acrescentou.
Muitas estudantes estavam ansiosas para voltar às aulas, apesar dos códigos de vestimenta rigorosa que as obrigavam a cobrir quase todo o corpo. "Já estamos atrasadas em nossos estudos", reclamou Raihana Azizi, de 17 anos.
- "Qual será o nosso futuro?" -
Algumas famílias. no entanto, desconfiavam do governo Talibã e tinham medo de permitir a saída de suas filhas. Ou não veem sentido na educação das mulheres diante de um futuro sombrio para o trabalho das jovens.
Em sete meses de governo, os talibãs determinaram várias restrições às mulheres, que foram excluídas dos empregos públicos, enfrentam controles em sua forma de vestir e são impedidas de viajar sozinhas para fora de sua cidade.
O regime fundamentalista também prendeu várias ativistas que defenderam os os direitos das mulheres.
"As meninas que concluíram os estudos permanecem em casa e seu futuro é incerto", lamenta Heela Haya, que decidiu abandonar a escola. "Qual será o nosso futuro?", questiona a jovem.
"Por que você e sua família fariam enormes sacrifícios para estudar se nunca poderá ter a carreira com que sonha?", perguntou Sahar Fetrat, pesquisadora assistente da ONG Human Rights Watch.
Devido à pobreza ou ao conflito que devastou o país, os estudantes afegãos perderam grandes períodos dos anos letivos. Alguns continuam seus estudos até os 20 anos.
O país também enfrenta uma escassez de professores, depois que muitos fugiram ao lado de dezenas de milhares de afegãos após a tomada de poder pelos talibãs.
* AFP