A junta militar de Mianmar completa um ano no poder nesta terça-feira (1), entre uma greve silenciosa convocada pelo campo pró-democracia - que esvaziou as ruas e estabelecimentos comerciais do país - e uma crescente pressão internacional contra os generais.
No aniversário do golpe que derrubou o governo civil liderado de fato por Aung San Suu Kyi, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá anunciaram novas sanções contra o país do sudeste asiático e a ONU iniciou uma investigação por "crimes contra a humanidade".
O golpe de Estado foi seguido por protestas e uma campanha de desobediência civil, que tiveram uma resposta violenta dos militares, uma repressão que deixou mais de 1.500 civis mortos e 9.000 ainda detidos, segundo uma ONG local.
E mesmo com a repressão, a junta não consegue conter os protestos da população, o que inclui confrontos diários entre grupos rebeldes armados e as tropas e partes do país fora do controle militar.
O mal-estar ficou evidente no aniversário do golpe de forma menos barulhenta. O movimento pró-democracia convocou uma greve silenciosa que deixou vazias as ruas e lojas de Yangon, o principal centro econômico do país, assim como em Mandalay (centro) e Myitkyina (norte).
"Ninguém sai do meu bairro. As forças de segurança patrulham", declarou à AFP um morador de Yangon. "O silêncio é o grito mais forte que podemos dar contra os soldados e a violenta repressão", escreveu uma opositora no Twitter.
O contraste foi evidente em Yangon: a cidade amanheceu agitada, mas às 10H00, horário do início do protesto, todos desapareceram das ruas.
Antes do aniversário, a junta ameaçou confiscar estabelecimentos que fechassem as portas e alertou que manifestações ou exibições de "propaganda" antimilitar poderiam levar a acusações de traição e terrorismo.
O chefe da junta militar, Min Aung Hlaing, insistiu que o golpe foi provocado por uma fraude nas eleições de 2020 vencidas pelo partido de Suu Kyi e consideradas justas pela comunidade internacional.
Também repetiu o compromisso de celebrar eleições "livres e justas" em agosto de 2023 caso a estabilidade tenha sido restabelecida, segundo o jornal estatal Global New Light of Myanmar.
- Justiça internacional -
A pressão aumenta contra a junta, que é investigada pela ONU por crimes contra a humanidade.
"A justiça internacional tem uma memória muito longa e um dia os autores dos mais graves crimes internacionais cometidos em Mianmar serão responsabilizados", alertou Nicholas Koumjian, diretor do Mecanismo de Investigação Independente das Nações Unidas para Mianmar.
O mecanismo, criado em 2018, tem mandato para compilar as evidências de crimes internacionais que foram cometidos em Mianmar e que o direito internacional foi violado.
De acordo com o diretor, os relatórios do último ano "sugerem que mais de 1.000 pessoas foram assassinadas em circunstâncias que podem ser classificadas como crimes contra a humanidade ou crimes de guerra".
Estados Unidos, Reino Unido e Canadá anunciaram sanções coordenadas contra autoridades do país.
"Enquanto o regime privar o povo de Mianmar de sua voz democrática, faremos com que os militares e seus apoiadores paguem por isso", alertou o presidente americano Joe Biden.
As medidas de Washington afetam sete pessoas e duas entidades "ligadas ao regime militar de Mianmar", informou o Departamento do Tesouro.
Entre eles estão os principais funcionários judiciais do país: o procurador-geral Thida Oo, o presidente da Suprema Corte Tun Tun Oo e o chefe da comissão anticorrupção Tin Oo, vinculados ao julgamento de Aung San Suu Kyi.
- Embargo de armas -
A líder civil, vencedora do Nobel da Paz de 1991, já foi condenada a seis anos de prisão pelas acusações de importação ilegal de (walkie-talkies), incitação contra os militares e violação das restrições anticovid.
Suu Kyi, detida desde o golpe, enfrenta outras acusações por suposta pressão à comissão eleitoral durante a votação de 2020, informou uma fonte que acompanha o caso. O julgamento deve durar seis meses.
Na segunda-feira, deputados do chamado "Governo Nacional de Unidade" que atua de forma paralela, formado principalmente por pessoas ligadas a Suu Kyi, pediu em Paris a adoção de um embargo internacional à venda de armas ao regime de Mianmar.
A enviada da ONU para Mianmar, Noeleen Heyzer, convocou uma "reunião humanitária" com "a maioria das partes interessadas" no conflito naquele país.
* AFP