Vários governos começaram a agir nesta segunda-feira (4) para tentar limitar as consequências da liberação de milhões de documentos que detalham como chefes de Estado e de Governo usaram offshores em paraísos fiscais para ocultar ativos que alcançam centenas de milhões de dólares.
Quase 35 governantes atuais e ex-líderes de países aparecem nos cerca de 11,9 milhões de documentos que vazaram de empresas de serviços financeiros de todo mundo e incluem dados sobre casas luxuosas na Riviera Francesa, em Monte Carlo e na Califórnia.
Os documentos, conhecidos como "Pandora Papers", foram obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) e publicados em várias reportagens de veículos, como o americano The Washington Post e os britânicos BBC e The Guardian.
A investigação revelou quase mil empresas em paraísos fiscais e mencionou 336 políticos de alto nível, entre eles mais de dez chefes de Estado ou de governo, ministros, embaixadores e outros.
Mais de dois terços das empresas foram registradas nas Ilhas Virgens britânicas.
Embora manter ativos em offshores, ou usar empresas de fachada, não seja ilegal na maioria dos países, as revelações são constrangedoras para governantes que adotaram medidas de austeridade, ou lideraram campanhas contra a corrupção.
O presidente russo, Vladimir Putin, não aparece diretamente nos documentos, mas está relacionado a ativos secretos em Mônaco por meio de associados. Entre eles, está uma casa à beira-mar adquirida por uma mulher russa apontada como mãe de um filho com o líder russo.
"Aqui, estamos simplesmente diante de um caso de acusações totalmente sem fundamento", minimizou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
- "Nada a esconder" -
A Jordânia também denunciou como "distorcidas" as revelações sobre os ativos do rei Abdullah II em empresas offshore em paraísos fiscais. Segundo as reportagens, ele acumula um império imobiliário de US$ 100 milhões, da Califórnia a Londres.
Sem abordar diretamente a questão, o rei jordaniano denunciou o que classificou de "campanha" contra seu país, segundo um comunicado do Palácio.
"As tentativas de envergonhar a Jordânia existem há muito tempo e ainda há quem queira sabotá-la e levantar suspeitas", disse o rei. "Não temos nada a esconder".
O palácio real afirmou que as propriedades foram financiadas com a riqueza pessoal do rei e foram usadas para visitas oficiais e particulares.
- Líderes latino-americanos -
O ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionado na investigação, afirmou que todas as suas atividades privadas foram declaradas à Receita Federal e são legais.
"Toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui sua participação societária na empresa mencionada" na investigação, informou a assessoria do ministro em uma nota.
Guedes é dono de uma empresa chamada Dreadnoughts, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, segundo o jornal digital Poder 360, que trabalhou junto com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) na análise dos documentos vazados.
O presidente do Banco Central do Brasil (BCB), Roberto Campos Neto, também aparece mencionado como proprietário de empresas em paraísos fiscais.
Já no Chile, os jornais CIPER e LaBotEl informaram que o presidente Sebastián Piñera vendeu nas Ilhas Virgens uma empresa de mineração a um amigo pessoal, prometendo facilidades ambientais. A operação ocorreu em 2010, quando estava há apenas nove meses em seu primeiro mandato.
O caso foi investigado em 2017 e o Ministério Púbico o desestimou pela "inexistência" de crime, disse a Presidência do Chile no domngo.
O presidente da República Dominicana, Luis Abinader, foi vinculado a duas sociedades no Panamá antes de assumir, segundo o Noticias Sin.
"Ao assumir como presidente, em 2020, o presidente declarou nove sociedades offshore que controlava por meio de um fideicomisso. Abinader afirma que não tem nenhuma participação na administração do mesmo", disse o jornal espanhol El País.
O presidente do Equador, Guillermo Lasso, controlou 14 sociedades offshore, a maioria criada no Panamá, mas as fechou quando o governo de Rafael Correa proibiu que candidatos presidenciais tivessem empresas em paraísos fiscais.
A investigação também inclui os nomes de 11 ex-presidentes latino-americanos: os panamenhos Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares; os colombianos César Gaviria e Andrés Pastrana; o peruano Pedro Pablo Kuczynski; o hondurenho Porfirio Lobo e o paraguaio Horacio Cartes.
- "Ver se impostos foram pagos" -
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, pediu para investigar os pouco mais de 3.000 mexicanos que supostamente esconderam bens em paraísos fiscais para sonegar impostos, incluindo um de seus ministros.
"É preciso fazer uma investigação", disse. "Tem que ver, é claro, a questão tributária. Ver se os impostos foram pagos".
Entre as pessoas identificadas, estão três milionários conhecidos cujas fortunas somam cerca de 33 bilhões de dólares.
Também aparecem framiliares e pessoas associadas ao presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, que teriam se envolvido secretamente em negócios imobiliários na Grã-Bretanha no valor de centenas de milhões de dólares.
Os documentos também mostram como o primeiro-ministro tcheco, Andrej Babis, não declarou uma empresa de investimento offshore usada para comprar um castelo de US$ 22 milhões, no sul da França.
"Nunca fiz nada ilegal, ou errado", rebateu Babis, em um tuíte, no qual chamou as revelações de "tentativa de difamação" com o objetivo de influenciar a eleição que acontece no próximo fim de semana no país.
Quase dois milhões dos 11,9 milhões de documentos vazados saíram de um escritório de advocacia panamenho chamado Alcogal, que negou no domingo realizar negócios ilegais.
O diretor do ICIJ disse que quem estava em melhor posição para impedir essas práticas foi quem mais se beneficiou.
* AFP