El Salvador se tornará o primeiro país do mundo a reconhecer o bitcoin como moeda legal na terça-feira (7), em meio a forte ceticismo e advertências de economistas e organizações financeiras internacionais.
O governo de Nayib Bukele garante que a polêmica medida contribuirá para a bancarização da população e evitará uma perda de 400 milhões de dólares nas remessas que os salvadorenhos enviam do exterior e que representam 22% do PIB, embora alguns especialistas questionem.
Em El Salvador, que dolarizou sua economia há duas décadas, a maioria dos 6,5 milhões de salvadorenhos rejeita o bitcoin promovido por Bukele e prefere continuar usando o dólar, segundo as últimas pesquisas.
— Esse bitcoin é uma moeda que não existe, é uma moeda que não vai favorecer os pobres e sim os ricos, porque o pobre, que mal tem pra comer, não pode investir — comentou à AFP José Santos Melara, veterano da guerra civil (1980-1992) que na sexta-feira participou de um protesto contra a criptomoeda.
Sete em cada 10 salvadorenhos indicaram que "discordam ou discordam veementemente" do bitcoin, que circulará ao lado do dólar, apontou uma pesquisa recente da Universidade Centro-Americana (UCA), que consultou 1.281 pessoas em meados de agosto.
Dos mais de 1,5 mil consultados em outra pesquisa do jornal La Prensa Gráfica, 65,7% disseram que desaprovam a criptomoeda.
A diretora do Instituto de Opinião Pública da UCA, Laura Andrade, garante que a população resiste ao bitcoin por não considerá-lo uma forma de melhorar sua situação econômica.
— São decisões sem consulta que este governo têm tomado em conjunto com os legisladores, e que as pessoas não percebem um impacto positivo para transformar significativamente suas condições de vida — apontou Andrade à AFP.
A pesquisa da UCA indicou que 65,2% da população não tem interesse em baixar a carteira eletrônica "Chivo" necessária para fazer compras e vendas em bitcoins, e não concorda que o governo conceda o equivalente a US $ 30 como incentivo aos usuários da criptomoeda.
Mas Jorge García, um cabeleireiro de 34 anos que usa bitcoin há três, acredita que "tem futuro" e espera que "aumente seu valor".
A Assembleia Legislativa aprovou a lei do bitcoin em junho e, no final de agosto, endossou um fundo de 150 milhões de dólares para garantir a "conversibilidade automática" do bitcoin em dólar. Por lei, o bitcoin terá "poder libertário ilimitado em qualquer transação".
A lei estabelece que o câmbio entre o bitcoin e o dólar "será livremente estabelecido pelo mercado" e obriga "a aceitar o bitcoin como forma de pagamento". Em todo o país, o governo instala mais de 200 "pontos Chivo", caixas eletrônicos bitcoin, alguns protegidos pelo exército para evitar possíveis depredações.
Economistas e organizações como o Banco Mundial, o FMI e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) são céticos quanto à adoção do bitcoin como moeda ao lado do dólar.
Terá um "impacto negativo" nas condições de vida da população dada a "alta volatilidade da cotação" e "afetará os preços de bens e serviços", afirma o economista Óscar Cabrera, da Universidade de El Salvador.
O fato de ser determinado "exclusivamente pelo mercado" torna o bitcoin "altamente volátil", alertou a Fundação Salvadorenha para o Desenvolvimento Econômico e Social (Fusades). A Fundação também considera "inconstitucional" impor "a aceitação obrigatória do bitcoin como forma de pagamento quando oferecido" em qualquer transação econômica.
Incentivado por uma alta aprovação pública, mas criticado por várias medidas consideradas autoritárias e que afetam a independência entre os poderes do Estado, Bukele defende sua decisão e acusou a oposição de "assustar" a população sobre a criptomoeda.
Os Estados Unidos pediram a El Salvador para ter um uso "regulamentado", "transparente" e "responsável" do bitcoin e "para se proteger de atores malignos".