Cerca de 50 pessoas ficaram feridas neste domingo (5) em Montenegro, em confrontos entre policiais e manifestantes contrários à entronização do novo chefe da Igreja ortodoxa sérvia no pequeno Estado dos Bálcãs, em um contexto de tensões identitárias.
A violência manchou a breve cerimônia de entronização realizada em Cetinje, uma cidade histórica do sul do país. De acordo com a polícia, 14 pessoas foram detidas.
O bispo Joanikije foi transportado de helicóptero da capital, Podgorica, para o mosteiro da cidade, sede da Igreja Ortodoxa Sérvia, para evitar as barricadas que bloqueavam as estradas da região desde o dia anterior.
Milhares de montenegrinos se aglomeraram na cidade para protestar contra a entronização do novo bispo neste mosteiro do século XV, considerado pelos montenegrinos como um sinal de identidade.
Esta questão gerou fortes tensões em Montenegro, onde o poder se inclinou, no final de 2020, para as mãos de um governo considerado próximo à Igreja Ortodoxa Sérvia.
Após quase 90 anos de convivência, Montenegro se tornou independente da Sérvia em 2006, e ambos os territórios mantêm relações complexas.
Um terço de seus 620.000 habitantes se identifica como sérvios, e a Igreja Ortodoxa Sérvia é dominante no país, embora seus oponentes acusem-na de servir aos interesses de Belgrado.
Segundo imagens divulgadas pela igreja, o helicóptero que transportava o bispo Joanikije e o patriarca da Igreja Ortodoxa Sérvia, Porfirio, pousou no gramado em frente ao mosteiro, enquanto os sinos badalavam.
- "Defenderemos nossa dignidade" -
A polícia estabeleceu um perímetro de segurança ao redor do prédio para proteger a cerimônia. Depois do evento, os clérigos voltaram para a capital do país.
As forças de segurança usaram gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral para expulsar os manifestantes das imediações do mosteiro. Os serviços de emergência de Cetinje disseram à AFP que 30 manifestantes e 22 policiais ficaram feridos. A maioria teve ferimentos leves.
Na véspera, milhares de pessoas ergueram barricadas para impedir o acesso a esta cidade e passaram a noite perto de fogueiras para se aquecer, relatou um correspondente da AFP. Alguns estavam armados e atiraram para o alto, outros incendiaram pneus.
"Não pedimos nada a ninguém, mas nos vemos negados pela Igreja sérvia ocupante. Aqui, defendemos nossa dignidade", disse à AFP Saska Brajovic, de 50 anos, que passou a noite em uma barricada.
A multidão foi convocada por organizações que se autodenominam "patrióticas" e pelo partido DPS, do presidente montenegrino, Milo Djukanovic. Há um ano, esta legenda foi derrotada nas eleições legislativas por uma coalizão próxima à Igreja Ortodoxa Sérvia.
Entre os detidos, está Veselin Veljevic, um de seus conselheiros e ex-chefe de polícia.
O presidente acusou o governo de ter "abusado brutalmente dos recursos do Estado, sobertudo, do Exército e da polícia" para entronizar o bispo, "em oposição à vontade de uma grande maioria de habitantes de Cetinje e de um número significativo de cidadãos de Montenegro".
O mosteiro da cidade foi sede dos governantes montenegrinos durante séculos, até o fim da Primeira Guerra Mundial.
Aqueles que se opõem à Igreja Ortodoxa Sérvia consideram que o mosteiro é propriedade da Igreja Ortodoxa Montenegrina, bastante minoritária e não reconhecida pelo mundo ortodoxo.
Tanto o novo governo quanto a Igreja sérvia acusam o presidente montenegrino de estimular as tensões religiosas com fins políticos, depois que as últimas eleições legislativas deixaram seu partido fora do poder.
"As divisões foram provocadas de forma artificial", disse o bispo Joanikije durante a cerimônia, prometendo "servir à reconciliação fraterna" em Montenegro.
O chefe de governo, Zdravko Krivokapic, pediu, por sua vez, "a todos os cidadãos montenegrinos honestos que não cedam à manipulação dos que estão dispostos levar os irmãos para um conflito, para manter seus benefícios e privilégios".
Embora o presidente sérvio, Aleksandar Vucic, tenha celebrado o fato de o governo montenegrino ter conseguido realizar a cerimônia, a embaixada dos Estados Unidos e a delegação da União Europeia (UE) pediram às autoridades políticas que busquem apaziguar a situação e reduzir as tensões.
* AFP