Em mais um movimento de centralização de poder, o presidente da Tunísia, Kais Saied, destituiu o ministro da Defesa e o ministro interino da Justiça nesta segunda-feira (26), um dia depois de suspender a atividade do parlamento, demitir o primeiro-ministro, Hichem Mechichi, e atribuir a si plenos poderes executivos no domingo (25).
Em um comunicado divulgado nesta segunda-feira, a presidência da República anunciou as destituições de Ibrahim Bartaji, ministro da Defesa, e de Hasna Ben Slimane, que era porta-voz do governo e ministro interino da Justiça. Ao mesmo tempo, apoiadores e opositores do presidente protestavam do lado de fora do parlamento.
A sede do legislativo foi cercada por tropas nesta segunda, que bloquearam a entrada de manifestantes e dos políticos depostos na noite anterior. Legisladores e apoiadores do partido Ennahdha — que tem maioria no Congresso — e manifestantes favoráveis ao presidente gritaram uns com os outros e alguns atiraram pedras. Relatos fotográficos mostram que houve feridos.
A decisão do presidente foi comemorada por grupos que se manifestaram durante o domingo, que saíram pelas ruas de diversas cidades, mas críticos — entre eles, representantes do Ennahdha — o acusam de ter dado um golpe de Estado.
Saied afirma que agiu de acordo com a lei ao tomar suas últimas decisões.
— A Constituição não me permite dissolver o parlamento, mas sim suspender sua atividade — disse Saied, que tomou a decisão com base no Artigo 80 da Constituição, que permite que este tipo de medida seja adotada frente a um perigo iminente.
— Tomei as decisões que a situação exige para salvar a Tunísia, o Estado e o povo tunisianos — afirmou o presidente após se reunir com autoridades das forças de segurança. — Estamos em momentos muito delicados na história da Tunísia.
Saied anunciou que assumirá o Poder Executivo com a ajuda do governo e nomeará um novo primeiro-ministro. Além disso, ele suspendeu a imunidade parlamentar dos deputados.
Entretanto, Rached Ghannouchi, que chefia o partido islâmico que domina o parlamento, disse que o presidente não o consultou nem o primeiro-ministro, conforme exigido pela lei. Ghannouchi, que é presidente da Câmara, tentou entrar no parlamento, mas a polícia e as forças militares que guardavam o local o impediram.
Aliados estrangeiros do país norte-africano expressaram preocupação de que sua jovem democracia possa estar caindo novamente em uma autocracia. Em uma ação que certamente alimentará essas preocupações, a polícia fez uma batida nos escritórios da emissora Al Jazeera e ordenou seu fechamento.
A Tunísia, que deu início à Primavera Árabe em 2011, quando protestos levaram à derrubada de Zine El Abidine Ben Ali, que governou o país por quase 24 anos, é frequentemente considerada a única história de sucesso dessas revoltas. Mas a democracia não trouxe prosperidade: a economia da Tunísia já estava se debatendo antes da pandemia chegar, com 18% de desemprego, e jovens exigindo empregos e o fim da brutalidade policial protestaram em grande número no início deste ano.
O governo anunciou recentemente cortes nos subsídios para alimentos e combustíveis ao buscar seu quarto empréstimo do Fundo Monetário Internacional em uma década, alimentando a raiva em regiões empobrecidas. A pandemia apenas agravou esses problemas, e o governo recentemente impôs bloqueios e outras restrições em face de um dos piores surtos da África.
Furiosos com o mal-estar econômico e o tratamento inadequado da pandemia, milhares de manifestantes desafiaram as restrições do vírus e o calor escaldante na capital, Tunes, e em outras cidades no domingo para exigir a dissolução do parlamento. A grande multidão de jovens gritou "Saiam!", com slogans pedindo eleições antecipadas, e também pressionou por reformas econômicas. (Com agências internacionais)