Duas vezes por semana, dezenas de crianças se acomodam à sombra de uma árvore em uma oficina de desenho. Não se trata tanto de superar o tédio neste campo de refugiados no norte de Moçambique, mas de curar feridas invisíveis.
Essas crianças viram, ouviram e experimentaram horrores. Portanto, o que vem à mente ao desenhar são submetralhadoras.
Os dois grupos extremistas islâmicos que há três anos semeiam o terror na província de Cabo Delgado, saqueando e ateando fogo a cidades, praticando uma violência brutal para marcar para sempre os seus habitantes: decapitações, estupros, sequestros.
Folhas e lápis são distribuídos. As crianças devem pintar tudo o que vier à mente.
Alberto Almeida, um dos mais velhos, de 17 anos, senta-se atrás dos mais novos. Apoia o papel na coxa direita e desenha um fuzil antes de colocar uma cruz nele, em vermelho. No fim da folha escreve "não ao fuzil" em seu idioma local, o makua.
"A guerra dói", diz ele para explicar seu desenho. "Eu gostaria de voltar para minha casa, fui forçado a sair de casa".
Ele recorda, com o olhar voltado para o chão, de sua fuga no final de 2020, de sua aldeia, às margens do distrito de Quissanga.
Sua voz é suave, suas frases curtas e lacônicas. Quando viu as colunas de fumaça, entendeu o que acontecia. Com outros vizinhos, se esconderam.
Separado de seus pais, de suas duas irmãs e de seu irmão sequestrado pelos grupos armados, caminhou por cinco dias. Quando chegou a Pemba, a capital da província, seus pés estavam com bolhas, inchados e doloridos.
Neste campo de Metuge, 80 quilômetros ai oeste e onde vivem cerca de 30.000 deslocados como ele, encontrou um tio.
O conflito, que já deixou 2.800 mortos desde o final de 2017, causou a fuga de 700 mil civis.
- Padre com marionetes -
A experiência das crianças é lida em suas folhas. Algumas não conseguem desenhar nada, outras reproduzem helicópteros militares, outras desenham sua nova realidade: casas de adobe e junco neste campo empoeirado.
As crianças "são mais abertas ao desenho, conseguem expressar suas emoções", explica Erickmar Rodríguez, coordenador no campo das atividades de promoção de saúde mental da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Em uma cidade vizinha, onde pessoas deslocadas se instalaram, um padre monta apresentações com marionetes para tentar apagar as cicatrizes invisíveis do conflito.
Debaixo de uma imensa árvore, cerca de 30 crianças esperam sentadas que o padre Edegard Silva Junior e seus dois assistentes pendurem um tradicional pano rosa.
O padre desaparece atrás e aparecem pequenos bonecos feitos de varas de bambu que saúdam as crianças com alegria. Um a um, convocam os jovens espectadores a se apresentarem e informarem o nome de sua cidade natal.
Ao final do espetáculo, o narrador convida as crianças a apertarem as mãos dos personagens, depois formarem um círculo, brincar com uma bola e compartilhar alguns doces.
Para eles, é tanto "uma terapia quanto uma diversão", explica o padre à AFP. "É muito informal e simples".
A maioria é órfã ou foi separada de seus pais no pânico da fuga. Essa violência "mudou tudo" na vida dessas crianças. Se os bonecos "podem dar um pouco de esperança, alegria", já é muito.
* AFP