À beira da falência, Zâmbia negocia com o Fundo Monetário Internacional (FMI) um possível resgate, o que lança as bases para o alívio da dívida de outros países pobres do continente.
Este pequeno país do sul da África se tornou, no final de 2020, o primeiro Estado africano em default desde o início da pandemia de covid-19.
Rica em recursos naturais e segundo produtor africano de cobre, a Zâmbia sofre com a queda dos preços das matérias-primas, devido à estagnação da economia mundial provocada pela pandemia.
Em novembro, o país não conseguiu pagar os 33,7 milhões de euros (mais de US$ 40 milhões) de juros da dívida. No final de janeiro, também não conseguiu cumprir o vencimento de 46,2 milhões de euros (US$ 56 milhões) em outro empréstimo de bônus.
O país de 17 milhões de habitantes está fortemente endividado com a China. Tem uma dívida externa de cerca de 10 bilhões de euros (US$ 12 bilhões de dólares), metade dos quais com credores privados.
Poderia alcançar um acordo para um empréstimo com juros zero, ou muito baixos, para saldar a dívida, junto com suporte técnico para empreender reformas econômicas.
As negociações "estão em andamento" e vão até 3 de março, confirmou o FMI à AFP.
- "Questão de prioridades" -
Segundo os especialistas, Lusaka terá de ser exemplar para se chegar a um acordo.
"O FMI quer que a Zâmbia seja transparente sobre sua dívida e aplique medidas de austeridade", disse à AFP Aleix Montana, pesquisador da consultoria Verisk Maplecroft.
E isso passa pelo cancelamento de projetos de construção, menos gastos, aumento da taxa básica de juros... "Estão sendo tomadas medidas para reduzir a dívida do país", assegurou na semana passada o governador do Banco Central da Zâmbia, Christopher Mvunga.
Com as eleições presidenciais e legislativas marcadas para agosto, porém, o presidente Edgar Lungu, que acumulou dívidas enormes nos últimos anos, principalmente com projetos de infraestrutura, tem outras prioridades.
"A Zâmbia se sente obrigada a continuar investindo em projetos populares de infraestrutura para garantir a reeleição do presidente", estima Montana.
O país também pediu oficialmente ao G20 que reestruturasse sua dívida. Os 20 países mais ricos do mundo, incluindo a China, o maior credor da África, concordaram no ano passado com uma moratória que permite que os países mais pobres parem temporariamente de pagar dívidas para concentrar seus recursos no combate ao coronavírus.
- "Opaco" -
A decisão do FMI de conceder facilidades de pagamento à Zâmbia poderia influenciar os países do G20 a ajudarem os países pobres.
Na África, vários países estão passando por grandes dificuldades desde a covid. A Zâmbia é o terceiro Estado do continente a pedir ao G20 uma reestruturação da dívida, depois de Etiópia e Chade.
Mas há preocupações sobre "dívidas não declaradas", especialmente com credores comerciais na China, alerta Mark Bohlund, analista de crédito da REDD Intelligence.
A China absorve 63% das dívidas com os países do G20, segundo o Banco Mundial. Em 20 anos, bilhões de dólares da China financiaram pontes, estádios e hospitais africanos, por meio de acordos muitas vezes opacos.
O montante total da dívida da Zâmbia pode ser superior às estimativas oficiais.
Metade dessa dívida, contraída com credores privados, é de difícil controle.
"Essas empresas geralmente administram o dinheiro de outras pessoas", explica Bohlund. "Não podem decidir sobre o alívio da dívida, porque o dinheiro não é delas", acrescenta.
Nesse contexto, os observadores temem que o FMI forneça apoio financeiro aos países pobres, sem conseguir forçar os credores privados, especialmente chineses, a liquidar parte de suas dívidas.
"O apoio do FMI poderia, então, servir para resgatar o setor privado, o que não queremos", alerta Iolanda Fresnillo, da Rede Europeia de Dívida e Desenvolvimento (Eurodad).
* AFP