"Ficar aqui? Impossível, eles iriam nos matar!". Após a derrota das tropas de Nagorno Karabakh para o exército do Azerbaijão, os habitantes de origem armênia desta região separatista acreditam que terão que deixar suas casas se não quiserem correr o risco de morte.
No distrito montanhoso de Kalbajar, os habitantes da capital regional (de mesmo nome) correram para fazer as malas na quinta-feira, antes que esta cidade esteja sob o controle das autoridades azerbaijanas no domingo, conforme estabelecido pelo acordo de cessar-fogo assinado no início desta semana por Armênia e Azerbaijão.
No vilarejo de Nor Getachen, abaixo de um penhasco alto de pedra escura, formavam-se longas filas de caminhões Kamaz russos antiquados na frente das casas.
Os habitantes carregaram nos veículos sofás, máquinas de lavar, malas e as memórias de uma vida que não querem por nenhum motivo deixar para os "turcos", como chamam os azerbaijanos (nação de língua turca), que deixaram essas mesmas terras há trinta anos após a chegada dos armênios.
"Eu chorei a noite toda quando ouvi a notícia", explica Haiastan Eghizarian, de 68 anos, enquanto arruma com rapidez suas caixas.
Em sua modesta casa rural, cujos dois cômodos são aquecidos por fogão a lenha, a bagunça mostra que está prestes a sair de casa, já que um pote de pimentão está em cima de uma cama sem colchão, e há pratos espalhados por toda parte.
"Não sabemos para onde ir. Com a ajuda de nossos filhos, tentaremos alugar um pequeno apartamento em Yerevan (capital da Armênia)", questionou Zohrab, de 82 anos, marido de Eghizarian.
- Abandonar as vacas -
Ninguém os informou onde poderiam se refugiar, "mas rapidamente compreendemos que não temos outra escolha. Os azerbaijanos vão nos torturar ou cortar nossas cabeças", ressalta Eghizarian.
Seus dois filhos vieram de Erevan para ajudá-los e, portanto, partiram o mais rápido possível, após terem vendido seu rebanho.
"A casa não era luxuosa, mas estávamos felizes aqui. Gosto do ar desta região e as uvas crescem rapidamente", explica Zohrab, que olha para o seu campo de vinhas com um olhar triste.
"Não vamos queimar a casa. Mas vamos levar Mickey, que é um bom cachorro", acrescenta.
Embora tenham se multiplicado nas redes sociais armênias rumores de casas queimadas por seus proprietários antes de partirem, nenhuma nuvem de fumaça foi vista na quinta-feira ao longo dos 20 quilômetros do vale Kalbajar, onde praticamente ninguém permaneceu.
No entanto, nesta sexta-feira, havia ao menos cinco casas em chamas na cidade de Charektar, perto do rio Terter.
Na entrada da aldeia, um casal de idosos abastecia seu enorme caminhão. "Por que vamos deixar esta cidade para os turcos? Eles não perderam nada aqui!" disse a mulher, que deve ter por volta dos 60 anos, xingando indignada "os responsáveis por tudo isso".
"Vamos abandonar nossas vacas, não encontramos quem quisesse comprá-las. Tínhamos pensado em reformar nossa casa, queríamos fazer obras... Não vamos queimá-la, mas quem vai roubar de nós não a merece", acrescentou esta mãe de sete filhos e avó de 22 netos.
"O que vamos fazer?", ela se pergunta, resignada.
Os habitantes armênios deste distrito chegaram depois do fim da guerra entre a Armênia e o Azerbaijão no início da década de 1990, incentivados pela ajuda do governo separatista de Nagorno Karabakh.
Suas casas vazias agora serão adicionadas às deixadas pelos azerbaijanos, quando então fugiram dessas mesmas terras.
Charektar e outras cidades em Nagorno Karabakh se transformaram em cidades fantasmas nesta semana, com seus últimos habitantes arrancando janelas e telhas.
* AFP