A morte de Ruth Bader Ginsburg nesta sexta-feira (18), aos 87 anos, causou comoção não apenas nos Estados Unidos, mas em boa parte do mundo ocidental. Mas afinal, por que o falecimento de uma juíza norte-americana abalou tanta gente e foi motivo para tantas homenagens nas redes sociais?
Parte da explicação está na atuação e na própria vida pessoal de Ginsburg. Pioneira e uma das principais referências na defesa pelos direitos das mulheres, a juíza ajudou a transformar o mundo em um lugar um pouco menos desigual ao combater a discriminação por causa do gênero. Mas não sem ter passado, ela mesma, por situações de intolerância e desrespeito.
Na década de 1950, por exemplo, ao se candidatar para um emprego público na Previdência Social na cidade de Lawton, em Oklahoma, para onde foi acompanhando o marido, Ginsburg viu a oferta de trabalho ser retirada quando anunciou que estava grávida. Sob a argumentação de que não poderia viajar para receber os devidos treinamentos, acabou pegando um cargo inferior, com salário mais baixo. Por causa disso, não comunicou, mais tarde, que estava grávida pela segunda vez, mas trabalhou voluntariamente para defender mulheres que perderam seus empregos por estarem esperando para dar à luz.
O ex-presidente Barack Obama, em nota, relembrou outra história que marcou a trajetória da juíza: “Sessenta anos atrás, Ruth Bader Ginsburg se candidatou para ser secretária da Suprema Corte. Ela estudou em duas de nossas melhores faculdades de Direito e recebeu ótimas recomendações. Mas porque era uma mulher, foi rejeitada. Dez anos depois, ela enviou sua primeira petição à Suprema Corte - que a levou a derrubar uma lei estadual baseada na discriminação de gênero pela primeira vez. E então, por quase três décadas, como a segunda mulher a sentar-se na mais alta corte do país, ela foi uma guerreira pela igualdade de gênero - alguém que acreditava que justiça igual perante a lei só tinha sentido se se aplicasse a todos os americanos”.
Foram situações como essas, mas não apenas aquelas pelas quais passou, que ajudaram a moldar o perfil de Ginsburg. Ainda assim, a juíza teve um início de carreira no Tribunal de Apelações dos EUA que, segundo o obituário do jornal The New York Times, surpreendeu “muitos dos que seguiam a carreira de litigante da Sra. Ginsburg”. Isso porque muitas vezes ela parecia mais confortável e alinhada a membros conservadores do que com colegas liberais.
Longe de ser incoerente, essa característica fortaleceu um senso de democracia ao mostrar que uma discussão mais ampla poderia ser mais frutífera do que a imposição de um ponto de vista que considerasse certo.
Ainda assim, nos últimos anos voltou-se mais e mais para o perfil liberal quando a Corte, após as últimas nomeações de Donald Trump, tornou-se uma casa mais conservadora do que talvez Ginsburg pudesse aceitar – uma preocupação que foi herdada pelas lideranças democratas após a morte de Ginsburg; elas pressionam o presidente norte-americano a esperar o resultado das eleições de novembro para decidir sobre a sucessão da magistrada (em 2016, o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, impediu o então presidente Barack Obama de preencher uma vaga na corte sob o argumento de que aquele era um ano eleitoral e, portanto, seria mais prudente aguardar o pleito. Desta vez, porém, McConnell já indicou que deve autorizar a votação do nome escolhido por Trump).
Ícone pop
Para além das questões legais, a juíza viu sua imagem ser transformada em ícone pop nos últimos anos. Conforme a rede britânica de notícias BBC, o comediante Stephen Colbert acompanhou Ginsburg em um dia de treinos na academia para mostrar como era a intensa rotina da magistrada.
No dia a dia, era adepta às luvas de renda que usava para acompanhar as blusas ao estilo jabot. Inspiração que foi parar até mesmo na pele de fãs.
“As jovens tinham a imagem dela tatuada em seus braços; as filhas estavam vestidas de R.B.G. para o Halloween. ‘Você não consegue soletrar a verdade sem Ruth’, apareceu em adesivos e camisetas. Uma biografia, ‘Notorious RBG: The Life and Times of Ruth Bader Ginsburg’ alcançou a lista de mais vendidos um dia após sua publicação, em 2015, e no ano seguinte Simon & Schuster lançou uma biografia para crianças com o título ‘Eu discordo’. Um documentário sobre sua vida (A juíza) foi um sucesso de bilheteria no verão de 2018, e um filme biográfico de Hollywood (Suprema) centrado em seu primeiro processo judicial por discriminação sexual foi aberto no dia de Natal daquele ano”, conta o obituário do NYT.
Ingredientes de uma receita que fez crescer a imagem dessa mulher de 1m55cm e que foi uma gigante na Suprema Corte dos Estados Unidos.