O herói que inspirou o filme "Hotel Ruanda", sobre o genocídio dos tutsis em 1994 naquele país africano, foi nesta segunda-feira (14) acusado de terrorismo, assassinato e financiamento de rebelião por um tribunal da capital, Kigali.
Paul Rusesabagina pediu ao tribunal que lhe concedesse fiança, alegando que precisava de cuidados médicos constantes, mas a acusação considerou que havia o risco de ele fugir para o exterior. O tribunal decidirá sobre sua solicitação na quinta-feira.
"Como meus advogados disseram, estou doente e preciso de atenção médica constante. Nas últimas duas semanas estive no hospital três vezes. Solicito fiança e garanto que não vou fugir da justiça", disse ele.
A polícia ruandesa anunciou no final de agosto a prisão de Rusesabagina, um crítico veterano do presidente Paul Kagame que morava na Bélgica e nos Estados Unidos desde 1996. Porém, ele apareceu algemado em Kigali, o que deixou questionamentos sobre as circunstâncias de sua prisão.
"Hotel Ruanda" conta como ele salvou mais de mil vidas, em meio a um genocídio que causou cerca de 800.000 mortes entre abril e julho de 1994, em particular entre a minoria da etnia tutsi, mas também entre os hutus moderados, segundo a ONU.
Rusesabagina chegou ao tribunal cercado de seus advogados e em meio a uma forte presença policial.
O juiz que presidiu a audiência leu as 12 acusações contra o réu, incluindo terrorismo, formação e financiamento de grupos militantes, homicídio culposo e incêndio criminoso.
De máscara, paletó xadrez e calça cáqui, Rusesabagina se recusou a se declarar culpado ou inocente, dizendo que o faria após o início do julgamento. Seus advogados, no entanto, rejeitaram as acusações.
"As acusações contra meu cliente não são válidas", disse o advogado David Rugaza diante do tribunal em Kagarama Primary, sudeste de Kigali.
- "Desaparecimento forçado" -
Após o genocídio, Rusesabagina, um hutu, gradualmente se tornou crítico do poder de Kagame, acusando-o de autoritarismo e de alimentar o sentimento anti-hutu no país.
Do exílio, Rusesabagina fundou o Movimento Ruandês para a Mudança Democrática (MRCD) - suspeito de ter um braço armado, a Frente de Libertação Nacional (FLN), um grupo considerado terrorista pelo governo.
No tribunal, ele admitiu ter enviado 20 mil euros (cerca de 24 mil dólares) ao comandante da FLN, Callixte Nsabimana, também conhecido como Sankara, que tem acusações semelhantes, mas negou qualquer financiamento das atividades do grupo.
"Cresci na mesma área que Sankara, em Ruanda, e minha esposa é muito próxima de sua mãe. O dinheiro que enviei era destinado a cobrir as despesas médicas de uma criança sob sua responsabilidade", argumentou.
Muitos ruandeses continuaram a considerá-lo um herói até a publicação de sua autobiografia em 2006, que era extremamente crítica ao regime. Sua família afirma que ele foi vítima de uma campanha de "difamação".
Os sobreviventes do Thousand Hills Hotel começaram a acusá-lo de ter-se aproveitado de seu sofrimento e de embelezar a história, alegando que ele não era o herói altruísta interpretado pelo ator americano Don Cheadle.
A Human Rights Watch (HRW) estimou na sexta-feira que Rusesabagina foi vítima de um "desaparecimento forçado", pelo qual as autoridades ruandesas deveriam ser responsabilizadas.
* AFP