O fluxo de pacientes com coronavírus agora monopoliza o essencial da infraestrutura médica na província sul-africana de Cabo Ocidental, a ponto de muitos profissionais de saúde temerem um aumento de outras patologias graves.
Nas últimas semanas, a região do Cabo (sudoeste), tornou-se o epicentro da pandemia de COVID-19 na África do Sul, concentrando dois terços dos 43.434 casos e cerca de 75% das 908 mortes registradas até agora.
Em resposta a essa emergência, mais e mais especialistas - entre oncologistas, anestesistas e cirurgiões - foram transferidos de seus setores.
No Hospital Groote Schuur, na Cidade do Cabo, famoso por ter realizado o primeiro transplante de coração do mundo em 1967, metade da equipe foi mobilizada para tratar vítimas da pandemia.
O pico do novo coronavírus é esperado para final de junho, ou início de julho, de acordo com o Ministério da Saúde.
"O pior ainda está por vir", lembrou o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, na sexta-feira (5).
O rígido confinamento imposto à África do Sul por nove semanas conseguiu retardar a pandemia, mas seu relaxamento progressivo voltou a aumentar sua disseminação. Sob pressão, os hospitais da província suspenderam intervenções cirúrgicas não urgentes.
- "Uma enxurrada de pacientes" -
A chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Universitário da Cidade do Cabo (UCT), Jeanette Parkes, acredita que a prioridade da COVID-19 esteja privando muitos pacientes com câncer de atendimento.
"Muitos pacientes estão perdidos, porque não foram diagnosticados, ou não tiveram acesso a uma tomografia computadorizada. Eles não vão aos centros de saúde e não fazem biópsias", disse ela à AFP.
A especialista antecipa, para mais adiante, "uma enxurrada de pacientes em um estado muito mais avançado do que se tivessem sido identificados e curados durante a pandemia".
O colega Johannes Fagan, especialista em Otorrinolaringologia do Groote Schuur, acrescenta que a pandemia aumentou a pressão sobre um sistema de saúde com recursos já limitados.
"Sempre tivemos que escolher quem deveria ser tratado, porque não temos capacidade para servir a todos. Mas, como tudo agora está focado na COVID-19, não podemos sequer ter esse debate", disse Fagan à AFP.
- Dois anos de atraso -
"Prevê-se que, por pelo menos 12 semanas, não haverá mais cirurgias normais, apenas de emergência", escreveram os professores Bruce Biccard, do Groote Schuur, e Lydia Cairncross, do UCT, em uma carta publicada no site de notícias Daily Maverick.
Segundo eles, 150.000 operações serão adiadas durante a pandemia na África do Sul.
"Isso terá implicações profundas nos procedimentos cirúrgicos. Mesmo se conseguirmos aumentar nossa capacidade cirúrgica em 10% após a COVID-19, serão necessárias 90 semanas (quase dois anos) para recuperar o atraso", alertaram.
Ciente dos riscos do sistema de saúde da província, o governo estabeleceu hospitais de campanha com capacidade para cerca de 1.500 leitos. Ramaphosa prometeu reforços médicos para a região: "Precisamos vencer esta guerra. Não podemos ficar à toa e deixar que a COVID-19 vença por falta de pessoal", afirmou.
* AFP