Dormitórios superlotados, trabalho em conjunto, sem máscaras, ou luvas: embora os agricultores sejam considerados essenciais, uma vez que cabe a eles colher as culturas que alimentam os Estados Unidos, as condições em que vivem e trabalham os tornam muito vulneráveis ao coronavírus.
Cerca de 2,4 milhões de pessoas trabalham no campo nos Estados Unidos, o país com mais casos de COVID-19 no mundo. Assim como médicos e enfermeiros, policiais, bombeiros e funcionários de supermercados, esses trabalhadores não podem parar durante esta crise, que já forçou 75% da população a se confinar em casa.
Esses trabalhadores do campo - pelo menos metade deles em condição irregular - passam longas horas colhendo frutas e legumes, muitas vezes sob o sol forte e em posições prejudiciais às costas.
É um trabalho que poucos querem fazer.
E, apesar de essencial, porque a demanda aumentou em meio ao estado de alarme, ativistas denunciam que estão entre os trabalhadores mais vulneráveis à COVID-19. Muitos não receberam informações sobre o vírus, nem adaptaram seu trabalho a protocolos de distanciamento social, muito menos receberam equipamentos de proteção.
Ganham salário mínimo, alguns vivem em alojamentos onde 200 trabalhadores dormem, ou moram em pequenos apartamentos onde até quatro famílias são alocadas. Em geral, as condições sanitárias no trabalho são muito ruins.
Como muitos não têm documentos legais, o acesso aos serviços de saúde é difícil, o medo da polícia migratória permanece, sem mencionar a impossibilidade de acesso ao seguro-desemprego, ou aos benefícios de um plano de ajuda recentemente anunciado pelo presidente Donald Trump.
"A realidade deles é que, se não trabalham, não recebem e, se não recebem, não têm como alimentar a família e pagar o aluguel", disse à AFP Erik Nicholson, vice-presidente da União dos Camponeses da América (UFW), o maior sindicato de trabalhadores agrícolas.
"É comum que trabalhem mesmo com febre, tosse... ou um dos sintomas da COVID-19", relatou.
- "Os mais vulneráveis" -
A agricultura representa um enorme motor da economia nacional, gerando mais de 5% do PIB em 2017. Conhecida como "a saladeira dos Estados Unidos", a Califórnia concentra a maior produção.
Steve Lyle, porta-voz do Departamento de Agricultura deste estado, a quinta economia do mundo, disse à AFP que "os trabalhadores agrícolas são uma parte fundamental" da cadeia de alimentos.
Segundo ele, "os produtores de alimentos se concentraram em melhorar as medidas de segurança dos trabalhadores desde o início desta crise" e introduziram "o distanciamento social nos campos e nas linhas de produção".
Algumas fazendas, como a de Ellen Brokaw, já reestruturaram sua operação.
"Nosso objetivo é manter nossos trabalhadores seguros e mantê-los trabalhando, a menos que estejam doentes, ou precisem estar em casa para cuidar de crianças, ou porque alguém está doente", declarou, em entrevista ao jornal "VC Star".
Nem todos agem assim. Em uma pesquisa feita pela UFW nas redes sociais, 90% dos 277 trabalhadores rurais que responderam relataram que ainda não receberam qualquer informação sobre o vírus.
Outros não têm como cuidar dos filhos. Com as aulas suspensas pela pandemia e diante do medo de perderem o emprego por falta, mesmo em caso de emergência, deixam as crianças sozinhas em casa.
"Acho que somos os mais vulneráveis, os menos vistos" na pandemia, lamentou o agricultor Juan Guerrero, em entrevista ao canal Univision.
O professor e diretor do Instituto de Pesquisa Agrícola da Universidade Estadual da Califórnia em Pomona, David Still, adverte que um único paciente pode comprometer a cadeia de alimentos.
"Se você os coloca em um ônibus (...) e alguém está infectado, sua força de trabalho acabou", disse ele à AFP.
"E, se 5, 10, 20, ou 30% dos trabalhadores não aparecerem para trabalhar, será um grande problema", completou.
* AFP