WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Esperado como o grande dia das prévias democratas, a Super Terça vai ser a chance de Bernie Sanders consolidar uma liderança que pode ser irreversível rumo à nomeação do partido à Casa Branca.
Um bom desempenho nesta terça (3), quando 14 estados e um território entram em jogo nas eleições, aumentará expressivamente as possibilidades de o senador se tornar o adversário de Donald Trump.
Atrás de sua trincheira, porém, pelo menos dois candidatos de centro tentarão mostrar que têm fôlego para chegar à convenção nacional da sigla, em julho, e disputar voto a voto a indicação com o progressista.
Após as primárias e os caucus em Iowa, New Hampshire, Nevada e Carolina do Sul, Sanders vai à Super Terça embalado pela liderança no número de delegados e na média das pesquisas nacionais até aqui.
Ele aparece com 28,8% nos levantamentos, seguido por dois moderados: o ex-vice-presidente Joe Biden, com 16,7%, e o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, que tem 15,1%.
Ancorado no voto dos negros, o ex-vice de Barack Obama conseguiu uma vitória esmagadora neste sábado (29) na Carolina do Sul, com 48,4%. Sanders ficou em um distante segundo lugar, com 19,9%.
A performance fez com que Biden revertesse o pessimismo que envolvia sua campanha após resultados ruins nas três primeiras prévias, também obrigou dois moderados a desistirem de continuar na corrida: Pete Buttigieg e Tom Steyer.
Com mais musculatura, Biden precisa replicar o bom momento na Super Terça para mostrar capacidade de se viabilizar como alternativa a Sanders.
O xadrez favorável ao ex-vice-presidente também coloca dúvidas sobre a força com que Bloomberg entra na corrida.
Numa estratégia pouco ortodoxa, o ex-prefeito de Nova York pulou as quatro primeiras prévias e contava com um Biden enfraquecido na Super Terça para se fincar no terreno de melhor opção a Sanders.
A votação desta terça vai eleger 1.344 dos 3.979 delegados que vão ao encontro nacional do partido no meio do ano e servirá para afunilar de vez a embaralhada disputa.
Com diversidade política e demográfica, o quadro nas regiões que entram na corrida nesta semana é bem parecido com o que se vê no resto dos Estados Unidos, contribuindo para nacionalizar a competição.
Entre os 327 milhões de americanos, 60% são brancos, 18% são hispânicos e 12% são negros, enquanto os 130 milhões que vivem nos estados da Super Terça são 53% brancos, 25% hispânicos e 11% negros.
Estarão nesta etapa Califórnia e Texas --com 415 e 228 delegados, respectivamente--, além de outros 12 estados e o território de Samoa Americana.
Ninguém leva a nomeação imediatamente depois de vencer nessas regiões, mas a boa performance garante a continuidade da campanha, enquanto um desempenho ruim pode enterrar uma candidatura.
A estreia da Califórnia, estado mais populoso dos EUA, em uma Super Terça é um dos fatores que dá ainda mais força às primárias desta semana.
O bilionário Michael Bloomberg, por exemplo, investiu 35% dos quase US$ 500 milhões que já gastou em propaganda eleitoral nos estados com mais delegados do país, dois deles Califórnia e Texas.
O aporte é relevante porque, além da enxurrada de anúncios no rádio, na TV e em redes sociais, os outros concorrentes já gastaram grande parte de seus recursos nas primeiras prévias.
Quem não se sair bem daqui para frente, portanto, tem grandes chances de ficar pelo caminho, já que nos EUA as doações eleitorais acompanham o desempenho dos candidatos.
Biden e Bloomberg devem disputar com Sanders pelos principais estados a partir de agora, enquanto Amy Klobuchar e Elizabeth Warren devem desidratar e até desistir da corrida, como fez Buttigieg.
Klobuchar não conseguiu ampliar suas bases moderadas, assim como o ex-prefeito de South Bend. Warren, por sua vez, concorre com Sanders pelo nicho mais à esquerda dos democratas, com propostas que vão da taxação dos mais ricos até saúde e educação grátis para todos.
Conforme ele ganha terreno, portanto, ela fica mais para trás. O senador por Vermont lidera os três principais estados da Super Terça, ao lado de Biden.
Na Califórnia, mais diverso e progressista, Sanders tem 32%, seguido por Biden, com 15,4%. Warren tem 14,3%, e Bloomberg, 12,6%. Já no tradicionalmente republicano Texas, o senador tem 29,1%, enquanto Biden aparece com 22,6%, e Bloomberg tem 17,3%. Warren fica em quarto lugar, com 12,1%.
O bom momento de Sanders tem incomodado o establishment do partido, e figurões democratas já se mostraram dispostos a impedir a nomeação em benefício de um candidato mais palatável ao status quo.
O temor é que a agenda de justiça social e igualdade econômica de Sanders afaste os moderados que ajudaram os democratas a recuperar a maioria da Câmara em 2018.
A maneira mais fácil de conseguir a nomeação é ter os votos de 1.991 dos 3.979 delegados escolhidos nas primárias.
Mas, além deles, há 771 superdelegados --governadores, integrantes do comitê nacional e do Congresso, por exemplo--, que podem entrar em ação caso ninguém atinja o número mínimo e seja necessário realizar um segundo turno na convenção democrata.
Reportagem do New York Times publicada na semana passada entrevistou 93 dos superdelegados e encontrou uma oposição fortíssima à indicação de Sanders. O senador precisaria chegar à convenção de julho com uma vantagem significativa para tentar impedir um movimento contra ele.
A Super Terça ganha assim mais um ingrediente crucial: se Sanders não ficar entre os três mais bem colocados, não conseguirá manter o argumento de que pode unir o partido -- e o país-- para vencer Trump.
Além de Califórnia e Texas, o senador é favorito em Maine, Massachusetts e Vermont, por exemplo, mas disputa de perto com Biden em estados-pêndulo, considerados essenciais nas eleições gerais, como Carolina do Norte e Virgínia.
Moderados, eles ora votam em democratas, ora em republicanos e são o quarto e o quinto em número de delegados nas primárias desta terça.
Um dos principais argumentos dos críticos a Sanders é que ele não venceria Trump nessas regiões, mas o senador tem aparecido com vantagem sobre o presidente nas sondagens e tem apelo junto à classe média trabalhadora, que elegeu e reelegeu Obama, mas, em 2016, preferiu o republicano.
Vencer nesse tipo de estado pode ser a primeira sinalização objetiva de Sanders ao establishment democrata de que é possível formar uma ampla base em torno dele e levar o partido de volta à Casa Branca.