Os Estados Unidos e o Talibã afegão assinaram, neste sábado (29), um acordo histórico em Doha, que abre caminho para uma retirada total das tropas americanas após 18 anos de guerra e negociações de paz interafegãs sem precedentes.
O acordo negociado por um ano e meio no Catar foi assinado pelos principais negociadores das duas partes, Zalmay Khalilzad, do lado americano, e o líder político dos insurgentes afegãos, Abdul Ghani Baradar, na presença do secretário de Estado Mike Pompeo.
Khalilzad e Baradar apertaram as mãos sob os aplausos dos participantes.
Este texto não é um acordo de paz propriamente dito, porque as autoridades afegãs não participaram das discussões inéditas.
Mas os americanos se comprometem em começar imediatamente uma retirada gradual de suas tropas, para reduzi-las dos atuais 13.000 para 8.600 em 135 dias.
Um cronograma que prevê a retirada total de todas as forças estrangeiras do Afeganistão "dentro de 14 meses após a assinatura do acordo", segundo o texto.
Sua partida está, no entanto, condicionada ao cumprimento pelo Talibã de seus compromissos de segurança e ao progresso nas futuras negociações interafegãs, segundo autoridades americanas.
Em contrapartida a essa importante reivindicação do Talibã, os insurgentes concordam em acabar com todos os atos de terrorismo nos territórios que controlam e em iniciar negociações com o governo de Cabul, com o qual até agora se recusaram a falar.
Essas negociações devem começar em 10 de março, de acordo com o acordo, provavelmente em Oslo.
O presidente americano, Donald Trump, saudou neste sábado a assinatura de um acordo com os talibãs e disse que se reunirá com seus líderes "em um futuro não muito distante".
Trump disse acreditar que os talibãs estão prontos para a paz, mas advertiu que, se esse acordo não for cumprido e "ocorrerem coisas ruins", os Estados Unidos "retornarão".
- "Romper com a Al-Qaeda"? -
"Se os talibãs não honrarem seus compromissos, perderão a chance de se sentar com os outros afegãos e deliberar sobre o futuro de seu país", disse Mark Esper, chefe do Pentágono, que estava em Cabul para assinar uma declaração conjunta com o governo afegão.
"Os Estados Unidos não hesitariam em cancelar o acordo", alertou.
O Talibã assegura que vai honrar seus compromissos.
"O acordo foi assinado hoje e nosso povo está feliz. Paramos todas as nossas operações militares em todo o país", disse Zabihullah Mujahid, porta-voz do talibãs, à AFP em Cabul.
No futuro imediato, o presidente americano Donald Trump deverá tirar proveito do pacto na campanha pela reeleição em oito meses, argumentando que cumpriu uma de suas principais promessas: acabar com a guerra mais longa dos Estados Unidos.
Apesar das críticas de alguns observadores para quem o acordo concede demais por pouco, o governo Trump assegura que as garantias fornecidas pelos insurgentes respondam ao principal motivo da intervenção americana, lançada em represália aos ataques de 11 de setembro de 2001, realizados pela Al-Qaeda a partir do Afeganistão, então dirigido pelo Talibã.
Sob os termos do acordo, "o Talibã não permitirá que nenhum de seus membros, ou outros indivíduos ou grupos, incluindo a Al-Qaeda, use o solo afegão para ameaçar a segurança dos Estados Unidos e de seus aliados".
"É um primeiro passo decisivo e histórico em termos de reconhecimento público de que estão rompendo laços com a Al-Qaeda", disse uma autoridade americana.
Saudando a "melhor chance de paz em uma geração", Mike Pompeo pediu ao Talibã que "cumpra a promessa de romper com a Al-Qaeda" e não "declare vitória".
- "Reduzir a violência" -
As autoridades americanas também dizem que estão tranquilizadas pelo período de sete dias de "redução da violência", globalmente respeitado pelos Estados Unidos, Talibã e forças afegãs antes da assinatura do pacto neste sábado.
Essa trégua parcial era uma exigência do presidente americano, que em setembro cancelou abruptamente a assinatura do acordo após a morte de um soldado americano em mais um ataque em Cabul.
Espera-se agora que os beligerantes concordem rapidamente com um cessar-fogo total durante as negociações interafegãs.
Cerca de 30 países estavam representados em Doha, mas não o governo afegão que, no entanto, enviou uma pequena delegação para um "primeiro contato" com o Talibã.
O acordo de Doha é um "primeiro passo importante para um processo de paz abrangente" no Afeganistão, disse a União Europeia. "A oportunidade atual de fazer a paz não deve ser desperdiçada".
Os talibãs foram expulsos do poder por uma coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos após os ataques de 2001. Desde então, travam uma incessante guerra de guerrilha.
Entre 32.000 e 60.000 civis afegãos foram mortos no conflito, segundo a ONU, e mais de 1.900 militares americanos.
Para Robert Malley, presidente da Organização Internacional de Prevenção de Conflitos do Crisis Group, "nenhum acordo é perfeito, mas o acordo de sábado "representa a melhor esperança para avançar na direção do fim de uma guerra de duas décadas".
* AFP