Da Síria à Otan, passando pelas guerras comerciais lançadas pelo Twitter, Donald Trump impôs ao mundo sua concepção muito pessoal de relações internacionais e, com a eleição de 2020 no horizonte, deve insistir nessa estratégia apoiada por sua base.
O magnata do setor imobiliário anunciou em 2019 o que talvez tenha sido sua vitória mais sólida na cena mundial até o momento: a morte do líder do grupo extremista Estado Islâmico (EI), Abu Bakr al-Bagdadi, em uma operação de seu governo na Síria.
Trump encerra assim um ano que esteve cheio de reviravoltas: de sua tentativa de pôr fim à guerra no Afeganistão à sua aposta diplomática para derrubar Nicolás Maduro na Venezuela, apoiando a proclamação de Juan Guaidó como presidente interino.
Em relação ao Afeganistão, o republicano surpreendeu, convidando os talibãs para negociações que foram declaradas mortas e que ele mesmo ressuscitou.
O mesmo não se pode dizer da Coreia do Norte. O republicano contava com fechar um histórico acordo com Pyongyang, mas uma cúpula muito esperada com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, ficou em suspenso.
As conversas esfriaram, e as ameaças e lançamentos de foguetes norte-coreanos voltaram. Pyongyang chegou a advertir Washington sobre um "presente de Natal", e os EUA não fizerem concessões.
Ainda mais tumultuada foi sua agressiva estratégia comercial com a China. O conflito entre Pequim e Washington mantém a comunidade internacional em suspense diante das expectativas, até agora frustradas, de que as duas maiores economias do mundo chegarão a um acordo, pondo fim à guerra tarifária.
Inusitadas críticas entre seus correligionários do Partido Republicano expuseram as mensagens contraditórias em relação à Turquia, depois que Trump ordenou a retirada das tropas americanas da Síria. A decisão abriu caminho para que Ancara atacasse os grupos curdos aliados de Washington, os quais combateram os extremistas.
Na sequência, Trump aplicou sanções à Turquia, um aliado-chave da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pela compra de um sistema russo de defesa de mísseis.
Para além dos pontos de conflito, Trump rompeu muitos padrões com seu estilo, alinhando-se com alguns dos líderes mais autocráticos do mundo e entrando em choque com aliados próximos. Foi o que aconteceu na cúpula da Otan, realizada recentemente em Londres.
Também rompeu o consenso, ao se retirar do Acordo de Paris sobre o Clima, assim com do pacto nuclear com o Irã, e ao adotar posturas muito favoráveis ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Em um reflexo de sua agenda nacional, na qual reduzir a imigração é uma prioridade, Trump se tornou o único líder a enfrentar o status quo.
Antes de viajar para a cúpula da Otan não se referiu apenas aos desafios em segurança representados por Rússia, Síria, ou Afeganistão. Ele também criticou os aliados "lentos" que não estão contribuindo o suficiente com o organismo.
"Não foi uma situação justa, porque nós pagamos demais", afirmou.
- Em busca de vitórias -
Sua campanha de 2020 começa marcada pelo processo de impeachment aberto contra ele na Câmara de Representantes, após as acusações dos democratas de que abusou de seu poder ao adiar a entrega de ajuda para a Ucrânia como forma de pressionar Kiev a investigar um de seus principais rivais, o ex-vice-presidente Joe Biden.
Brian Katulis, membro do Center for American Progress (CAP), classificou a política externa como o "tema latente" das futuras eleições, mas disse não estranhar que Trump encontre uma maneira de empurrá-la para debaixo do tapete.
"Esta é uma presidência de programa de reality show. Embora não tenha conseguido grandes conquistas, ele dirá que sim", comentou. "Usará outros países e seus líderes para alavancar sua campanha de reeleição", insistiu Katulis.
Já Nile Gardiner, um ex-conselheiro da premiê britânica Margaret Thatcher e hoje especialista do "think tank" conservador Heritage Foundation em Washington, defendeu que Trump obteve êxitos "significativos".
"Vimos que tomou 99% de território do grupo EI no Iraque e na Síria. Ainda resta trabalho por fazer, mas esta é uma enorme conquista", frisou.
"A política externa de Trump é prospectiva, e não isolacionista", alegou Gardiner, acrescentando que os líderes europeus "estão se preparando para a possibilidade muito forte de reeleição de Trump".
Gardiner argumentou que Trump também "enfraqueceu significativamente" o Irã, onde explodiram protestos contra o governo, devido às sanções americanas.
Os críticos advertem, porém, que a linha dura foi contraproducente, ao reduzir o cumprimento do acordo nuclear de 2015.
- 'Esperar o inesperado'
E, enquanto é submetido a um julgamento político, o presidente obteve uma importante vitória legislativa, ao conseguir que a Câmara de Representantes votasse esmagadoramente a favor do acordo USMCA, com México e Canadá. Este tratado substitui o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês) em vigor desde 1994.
O USMCA obteve um raro consenso entre o presidente e os democratas, que, em geral, opõem-se a acordos de livre-comércio, com medidas, por exemplo, que elevam os padrões trabalhistas no México.
Em temas difíceis como Irã e Coreia do Norte, Trump poderá, ao menos, alegar ter adotado uma abordagem diferente daquela adotada por seus antecessores, avaliou Katulis.
"É difícil apontar quais são, de fato, as conquistas de Trump em política externa", já que "o mundo é um autêntico caos", acrescentou.
Independentemente dos fatos, Trump dirá "que os Estados Unidos têm uma carga menor no mundo", pois seu governo "conseguiu que outros fizessem mais".
Katulis comentou ainda que o presidente martelou que "os estrangeiros estiveram se aproveitando dos Estados Unidos" e, nesse sentido, seu governo estará ansiosa para fazer da Segurança Nacional um tema-chave da política doméstica.
"Com Trump, pode-se esperar o inesperado", completou.
* AFP