Em meio à onda de protestos violentos que assola o Chile há uma semana, o presidente Sebastián Piñera decidiu pedir ajuda a uma de suas maiores adversárias na política local: sua antecessora no cargo e atual Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet.
A ex-presidente aceitou o convite do governo, feito nesta quinta (24), e anunciou que irá mandar uma missão para analisar denúncias de violações que teriam sido cometidas pelas forças de segurança contra os manifestantes.
O ministro de Relações Exteriores do Chile, Teodoro Ribera, afirmou que os observadores da ONU devem verificar in loco como o estado de emergência declarado pelo presidente no último sábado (19) está sendo aplicado.
Ele fez a declaração enquanto Piñera estava reunido no palácio de La Moneda com aliados da ex-mandatária. Além dela, também foi convidado o diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch, o chileno José Miguel Vivanco.
— A nós interessa a máxima transparência e que sejam feitas todas as salvaguardas necessárias — afirmou Ribera, segundo o jornal chileno La Tercera.
Bachelet comandou o Chile por duas vezes (de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018), sendo sucedida por Piñera em ambas — a reeleição direta é proibida no país.
Os dois representam lados opostos do espectro político: ela é uma liderança histórica da aliança de centro-esquerda Nova Maioria (antiga Concertação), enquanto ele comanda a coalizão de centro-direita Chile Vamos.
Ao deixar a Presidência chilena, Bachelet assumiu seu atual cargo na ONU, no qual é responsável por analisar denúncias de violações de direitos humanos em todo o mundo.
Os protestos começaram no início da última semana tendo como alvo um aumento de 3,75% no valor da tarifa de metrô em horários de pico e ganharam força a partir da última sexta (18), quando grupos convocaram os manifestantes a pularem a catraca.
Piñera até aceitou cancelar o aumento na noite de sábado (19), mas a medida não foi suficiente para conter os protestos. Assim, os atos ganharam força e as reivindicações aumentaram, com críticas ao governo, ao sistema de aposentadoria, ao aumento da desigualdade e à falta de serviços públicos.
Foram registrados episódios de de incêndios, saques e confrontos em todo o país, principalmente na capital, Santiago.
Ao menos 18 pessoas morreram em decorrência dos protestos e 2.410 pessoas foram detidas (incluindo 200 menores de 18 anos), de acordo com os dados do Instituto Nacional de Direitos Humanos, órgão responsável por monitorar o assunto no país.
Com a declaração do estado de emergência, os militares foram para as ruas pela primeira vez desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990 — é a atuação deles que deve ser analisada pelos observadores da ONU.
Mas a presença deles não conseguiu conter os manifestantes, que atacaram mercados e estações de metrô e praticamente paralisaram a capital quase todo o serviço público de transporte não funcionou, aulas foram suspensas e parte do comércio fechou.
Nesta quinta, muitas lojas reabriram as portas e parte dos ônibus e do metrô já voltaram a circular. E o governo divulgou um balanço que indica que os atos já diminuíram, apesar da realização de um grande protesto na Plaza Itália, no centro de Santiago, nesta quinta.
O ato foi pacífico na maior parte do dia, mas terminou em confronto entre manifestantes e policiais. Sindicatos convocaram uma novo protesto para esta sexta (25).
Para tentar conter os confrontos, o governo também tem declarado desde o fim de semana toque de recolher na capital e em outras cidades importantes.
Nesta quinta, o Exército anunciou que a medida passaria a valer a partir das 22h (o Chile tem o mesmo horário de Brasília) até as 4h de sexta.
O período menor do que nos dias anteriores, quando o toque de recolher chegou a durar 11 horas na capital, outro indicativo de uma diminuição na força das manifestações.
Piñera também anunciou nesta quinta uma série de medidas para tentar conter os atos contra seu governo.
Em discurso transmitido pela TV, o presidente disse que enviou ao Congresso um projeto que suspende o recente aumento nas contas de luz.
Ele afirmou que os protestos podem ser uma oportunidade para o país e afirmou que tem ouvido "em alto e bom som" os pedidos dos manifestantes.
Piñera também anunciou que nesta sexta vai apresentar uma proposta para aumentar as pensões em 20%.
— Eu vou continuar a mandar projetos ao Congresso para jogar um pouco de ar puro nessa agenda social — completou ele.