No meio de uma viagem de dez dias por Israel, Risa Nagel precisava tomar uma decisão.
Nagel, de 25 anos, é autora de projetos de financiamento e vive em Seattle. Tinha caminhado pelas colinas da Galileia e visitado o antigo mercado de Jerusalém. Foi então que alguns dos amigos que acabara de conhecer lhe disseram que estavam planejando escapar do roteiro turístico para visitar uma família palestina, um ato de protesto fadado a causar dor e controvérsia.
"Vamos poder ver com os próprios olhos o que está acontecendo. Quer vir?", um deles disse. Nagel sofreu. No dia seguinte, depois que o grupo fez um minuto de silêncio no Muro das Lamentações, seus amigos anunciaram que estavam de partida. Ela os seguiu.
Por quase duas décadas, uma organização sem fins lucrativos chamada Birthright Israel ofereceu a quase 700.000 jovens judeus uma viagem a Israel com todas as despesas pagas, um esforço para fortalecer uma identidade judia inequívoca e tecer uma conexão emocional com o país. Essas viagens, parcialmente financiadas pelo governo israelense, tornaram-se um rito de passagem para judeus americanos. Há quase 33.000 agendados para viajar agora no meio do ano.
No entanto, no decorrer do ano passado, alguns ativistas judeus passaram a protestar contra a Birthright, alegando que as viagens apagam as experiências de árabes israelenses e palestinos que vivem sob ocupação na Cisjordânia. Eles fizeram circular petições, organizaram protestos pacíficos em Hillels em campi universitários e bloquearam a sede da Birthright na cidade de Nova York. Mas nenhum protesto gerou mais publicidade e indignação do que a deserção de um punhado de viajantes no meio de algumas viagens da Birthright.
Os defensores da Birthright desvalorizam os manifestantes, chamando-os de ativistas profissionais atrás de publicidade, cujas opiniões não condizem com a da maioria dos judeus americanos. Outros dizem que o propósito da viagem não é ensinar os participantes sobre os palestinos.
Em uma declaração, a Birthright anunciou que a procura pelas viagens estava maior do que nunca e que estas lidam com a complexa história de Israel de uma maneira apolítica. "Não nos esquivamos de uma discussão aberta sobre as realidades geopolíticas de Israel, incluindo o conflito", dizia a declaração.
Entretanto, os protestos destacam um desconforto cada vez maior entre muitos jovens judeus americanos em relação às políticas de Israel. Eles veem os líderes israelenses indo cada vez mais para a extrema-direita e abraçando abertamente a anexação da Cisjordânia, terra na qual os palestinos têm esperado há muito tempo para construir seu próprio estado.
Os protestos contra a Birthright também jogam luz sobre uma cisão geracional entre os judeus que cresceram sob o constante medo da destruição de Israel e os jovens de hoje, que talvez estejam mais propensos a não valorizar a existência de Israel e a voltar sua atenção aos milhões de palestinos deixados sem uma nação por causa do conflito.
Apenas seis por cento dos judeus americanos com mais de 50 anos acreditam que os Estados Unidos apoiam excessivamente Israel, segundo uma pesquisa feita por Dov Waxman, professor de ciências políticas, relações internacionais e estudos israelenses da Universidade Northeastern, em Boston. Por outro lado, é nisso que acreditam 25 por cento dos judeus com idades entre 18 e 29 anos, exatamente a faixa etária que viaja com a Birthright.
Muitos judeus americanos mais velhos há tempos manifestam desconforto em relação aos assentamentos israelenses na Cisjordânia, mas acreditam que protestar abertamente contra o estado judeu seja um anátema.
Nagel, que cresceu em Glen Cove, Nova York, nunca tinha se envolvido em nenhum protesto relacionado a Israel antes da viagem com a Birthright. "Disseram-me: 'É sua terra natal. Você precisa visitá-la'", disse. Ela confessou saber pouco sobre o conflito quando se inscreveu para uma "viagem gratuita de dez dias".
Na primeira noite do grupo em Israel, uma das participantes, uma estudante de direito chamada Rebecca Wasserman, perguntou se poderia mediar uma discussão sobre o controle militar israelense sobre a Cisjordânia. O guia israelense do grupo concordou e até mesmo compartilhou algumas de suas experiências bastante pessoais como antigo soldado israelense.
Muitos receberam muito bem a conversa naquela primeira noite, relatou Ben Fields, de 26 anos, conselheiro universitário de Denver. "A princípio, esse diálogo pareceu um esforço com boas intenções", disse Fields. Mas, à medida que a viagem prosseguia, Wasserman e outros três integrantes continuavam a trazer o assunto à tona. "Eles continuavam dizendo: 'Quando vamos ouvir falar dos palestinos?'", Fields relembrou.
Os ativistas citam o fato de um dos maiores doadores do presidente Donald Trump, Sheldon Adelson, também ser um doador generoso da Birthright como razão para duvidar do programa.
Wasserman e os outros três estavam em contato com a IfNotNow, uma rede de ativistas judeus que pretende acabar com o apoio dos judeus americanos à ocupação. Os ativistas citam o fato de um dos maiores doadores do presidente Donald Trump, Sheldon Adelson, também ser um doador generoso da Birthright como razão para duvidar do programa.
Outros questionam se um programa que tem como objetivo tirar os judeus da diáspora e levá-los para uma das regiões mais contestadas do mundo pode ter a pretensão de se autoproclamar apolítico. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que contabiliza os assentados como sua base política, frequenta os eventos da Birthright e incita os participantes a apoiar Israel quando retornarem a seus países de origem.
No verão do ano passado, a IfNotNow encorajou os ativistas a protestar contra viagens que só mostravam um lado. Depois que Nagel e os demais abandonaram a viagem – uma partida que os ativistas filmaram e enviaram aos veículos de mídia –, eles visitaram uma família árabe prestes a ser despejada no leste de Jerusalém. Então, seguiram com o Breaking the Silence, um grupo formado por antigos soldados israelenses que se opõem à ocupação.
Em Hebron, uma cidade populosa da Cisjordânia dividida entre palestinos e algumas centenas de israelenses assentados, estes ocupando uma pequena área sob forte proteção militar, Nagel andou por ruas que os palestinos são proibidos de usar, mesmo que possuam uma casa ali. Ela viu uma estrela de Davi grafitada no muro, marcando território. "Ver a estrela judaica sendo usada daquela maneira foi muito difícil. O judaísmo fala de amor e bondade", lamentou.
Em sua defesa, a Birthright diz que não leva os integrantes para conhecer assentados ou ativistas políticos palestinos na Cisjordânia por questões de segurança e por não querer porta-vozes parciais.
"Todos os anos, incentivamos nossas dezenas de milhares de participantes a se desafiarem e fazerem perguntas difíceis. Já o IfNotNow promove um ponto de vista específico e altamente partidário, que não corresponde ao compromisso não partidário da Birthright Israel de instaurar um diálogo aberto que permita aos participantes desenvolver seus próprios pontos de vista", argumentou Birthright em uma declaração.
A Birthright atualizou o currículo nos últimos anos para incluir mais contato com os árabes israelenses, que perfazem 20 por cento da população. Em 2016, incluiu uma palestra obrigatória de duas horas sobre geopolítica. Além disso, passou um ano desenvolvendo quase duas dúzias de novas atividades opcionais envolvendo árabes israelenses, incluindo uma visita a Givat Haviva, um centro que promove a cooperação entre as populações judaica e árabe de Israel.
Os ativistas dizem que a nova programação não vai longe o suficiente. A J Street U, uma organização judaica liberal com 60 afiliados em campi universitários, lançou uma alternativa própria de viagem gratuita para Israel na metade deste ano. Ela vai levar alunos à Cisjordânia para conhecer assentados palestinos e israelenses. Os organizadores dizem que seu objetivo é servir como um modelo de como a Birthright poderia mudar. A IfNotNow está clamando por um boicote à Birthright.
Já se passou quase um ano desde a viagem de Nagel com a Birthright. Fields acredita que aqueles que alegaram ter ficado surpresos com a falta de porta-vozes palestinos estavam sendo dissimulados. "Todos nós sabíamos onde estávamos entrando", escreveu ele em um editorial contra as deserções na viagem publicado no "Haaretz", jornal israelense de esquerda.
Mesmo assim, Fields qualificou a experiência como "incrível" e garantiu ter voltado da viagem se sentindo mais judeu e mais conectado a outros judeus. Este ano, ele recebeu amigos do trabalho para o Sêder de Pessach e frequentou cerimônias religiosas comemorativas.
Nagel enfatizou que os protestos provocaram uma conversa importante que os judeus americanos precisavam ter. Ela, também, tem frequentado mais eventos judaicos sociais e religiosos desde a viagem.
"Tenho ido mais vezes ao Shabbat e ao Havdalá", contou ela, referindo-se ao Sabá judaico e ao ritual que marca seu fim. "A diferença é que nos nossos Shabbats e Havdalás falamos sobre racismo, sexismo e a ocupação."
Por Farah Stockman