RAJAPUR, Índia – Na brisa do fim da tarde, no topo de uma colina pedregosa a um dia de carro ao sul de Bombaim, Sudhir Risbud vai de uma gravura a outra, apontando um casco de barco, aves, um tubarão, figuras humanas e dois tigres em tamanho natural.
"São machos", diz com um sorriso, assinalando que o artista caprichou em evidenciar a genitália. Ele está numa breve visita guiada para mostrar umas 20 de cerca de 100 gravuras entalhadas em laterita, uma rocha dura e esburacada, comum na planície costeira que margeia o Mar da Arábia.
Essa é apenas uma amostra das 1.200 gravuras descobertas por Risbud e Dhananjay Marathe, engenheiros e naturalistas dedicados, desde que encamparam essa missão em 2012. Segundo Tejas Garge, chefe da Diretoria de Arqueologia e Museus do estado de Maharashtra, os dois seguem uma longa tradição de arqueólogos amadores. Os petróglifos que descobriram constituem um tesouro de relevância internacional.
Eles são a mais recente coleção a entrar no rol mundial de imagens rupestres deixadas por povos da Idade da Pedra. Como outras pinturas e esculturas encontradas na Austrália, no sudoeste dos Estados Unidos, na África e em outros lugares, as gravuras são mensagens enigmáticas deixadas por povos há muito esquecidos nas brumas do tempo.
Garge estima que a mais antiga dessas gravuras em terra tenha de 10.000 a 40.000 de idade, mas a datação é imprecisa, até porque só agora a coleção está começando a ser estudada mais a fundo.
Algumas imagens parecem ilustrar uma vida de caça e coleta – há veados, peixes, tartarugas. Outras retratam animais de grande porte, como tigres e elefantes. Há também figuras humanas, prováveis símbolos de fertilidade, imagens de uma deusa-mãe semelhante a outras encontradas na Índia e outras partes do mundo. As imagens de fertilidade geralmente vêm acompanhadas de desenhos abstratos, e há também entalhes completamente abstratos.
Até hoje, elas são capazes de estimular emoções e a imaginação, como devem ter feito no passado.
Algumas estão desgastadas, outras ainda nítidas, especialmente onde foram polvilhadas com areia para preencher os sulcos profundos. Segundo Garge, o estado destinou cerca de US$ 3 milhões para a preservação das gravuras e pesquisas sobre sua idade e o povo que as criou.
Ao contrário de outras gravuras rupestres da Idade da Pedra, essas não foram entalhadas em paredes ou rochas verticais, e sim nas pedras expostas no topo plano de colinas ao longo da chamada Costa de Konkan. O estilo dos animais é realista; o dos humanos é mais estilizado. A maioria dos animais, inclusive elefantes, é retratada em tamanho natural. Um dos locais com múltiplas gravuras é o maior do sul asiático, segundo Garge. Para ele, deveria ser tombado como patrimônio nacional.
Por enquanto, a descoberta não recebeu tanta atenção dos acadêmicos. No entanto, Jean Clottes, especialista em arte rupestre e editor do "International Newsletter on Rock Art" (Boletim Internacional de Arte Rupestre), já declarou por e-mail que a coleção de imagens "é, sem dúvida, uma descoberta importante". Ele nota que gravuras bem preservadas no solo já foram encontradas em outros locais, mas são incomuns.
Meenakshi Dubey-Pathak, artista e pesquisadora autônoma que já publicou diversas obras sobre arte rupestre indiana, afirma que as gravuras têm uma imagética em comum com outras artes rupestres da Índia e do mundo.
"Eram caçadores-coletores", explica, e não faziam arte pela arte. "As gravuras tinham significado e propósito", acrescenta.
Os locais têm recebido turistas indianos desde que a épica missão de Risbud e Marathe começou a ser divulgada, no fim do ano passado, mas não são fáceis de encontrar. Há fotografias no site de turismo de Ratnagiri, porém sem indicações de rotas nem coordenadas de GPS.
Para chegar às gravuras, o turista precisa pedir informações aos moradores das cidades ou aldeias próximas. Garge, Risbud e Marathe preferem que continue assim. A maioria das gravuras está em propriedades privadas e seria dispendioso comprar essas terras para preservá-las. A esperança de Garge é que elas se convertam em fonte de renda para os moradores.
Ele conta que conversou com um vendedor de chá que tem uma pequena barraca numa encruzilhada próxima a um dos locais. Segundo Garge, o estado queria colocar placas de sinalização ali, mas o vendedor de chá lhe pediu que não o fizesse.
É que, segundo o vendedor, os turistas param ali e tomam pelo menos uma xícara de chá enquanto perguntam o caminho. Sua renda subiu depois que a notícia das gravuras se espalhou. Agora, o departamento de Garge está desenvolvendo projetos-piloto para instalar mirantes confortáveis em 15 pontos de observação, com barracas de alimentos e bebidas, e uma bilheteria que reverta a venda de ingressos para a aldeia.
Algumas gravuras já eram conhecidas dos moradores antes das investigações de Risbud e Marathe, e pesquisadores já haviam conduzido um estudo ali em 1980. Alguns acadêmicos e historiadores amadores chegaram a escrever sobre as poucas gravuras até então identificadas. Mas a dimensão e a importância do tesouro só ficaram claras depois que os dois engenheiros começaram a explorá-las e recrutaram outros pesquisadores. No ano passado, jornais indianos e a BBC divulgaram a extensão das descobertas.
Os dois amigos são naturalistas ávidos. Eles se conheceram quando faziam um levantamento de aves na região. Marathe chegou a publicar um guia das aves do planalto de Konkan. Ambos se lembraram de ver fotos das gravuras na juventude e tinham um interesse pela área. Foi assim que a busca começou.
O começo foi difícil, segundo Marathe. Nos dois primeiros anos, "não tivemos sorte". Até que um dia encontraram um velho pastor que lhes contou de um entalhe recém-descoberto. Eles passaram a procurar pastores que traziam gado ou ovelhas ao planalto após a época de monções, quando a vegetação esparsa dos meses quentes dá lugar a uma cobertura exuberante de capim e flores. Os pastores e suas famílias foram indicando outros locais e recontando histórias mitológicas sobre a origem das gravuras.
Como exemplo, Marathe aponta para uma depressão numa rocha que parece ter sido deixada por uma pessoa deitada. Segundo os aldeões, a marca havia sido deixada por Sita, esposa de Rama, raptada pelo demoníaco rei Ravana no poema épico "Ramayana". Aquele seria o lugar onde Ravana, ainda em fuga, se deitou com Sita.
De dezembro de 2012 até agora, Marathe, Risbud e outros colegas não só procuraram novas gravuras, como também buscaram apoio do governo em todos os níveis para seu reconhecimento e preservação.
"Eles têm um entusiasmo formidável", comenta Garge. "Conseguiram extrair informações dos habitantes locais e descobriram tudo isso. Somos muito gratos."
Garge, especialista em arqueologia histórica, conheceu a dupla depois de chegar a Maharashtra em 2017.
Não há touros nas gravuras de Maharashtra, mas há todo tipo de animal selvagem, sugerindo que as gravuras foram feitas por um povo que caçava e coletava plantas silvestres.
Ele visitou alguns dos locais e nomeou um membro de sua equipe, Rhutvij Apte, para supervisionar a pesquisa. Segundo Garge, datar gravuras rupestres não é fácil, mas boas pistas existem. Por exemplo, com o advento da agricultura, surgem desenhos de touros. Não há touros nas gravuras de Maharashtra, mas há todo tipo de animal selvagem, sugerindo que as gravuras foram feitas por um povo que caçava e coletava plantas silvestres.
Se as gravuras foram feitas antes do advento da agricultura, elas têm pelo menos 10 mil anos de idade. Outra pista são os desenhos de rinocerontes e hipopótamos. Isso sugere que as gravuras sejam ainda mais antigas, de 20.000 ou 30.000 anos atrás, época em que, segundo evidências fósseis, esses animais viveram na região. Os detalhes realistas dos desenhos, como o formato e a posição dos chifres, também sugerem um conhecimento direto dos animais, e não uma recriação a partir de relatos.
Por fim, foram encontradas ferramentas de pedra. Quando começou a coordenar a pesquisa, Apte encontrou micrólitos, pequenas ferramentas de pedra características do período Mesolítico, de 40.000 anos atrás. Sem datas definitivas, portanto, Garge delimita a idade das gravuras entre 10.000 e 40.000 anos.
Os próximos passos da pesquisa, segundo ele, são documentar cada figura por meio de fotografia aérea, mapeamento fotográfico e, se o orçamento permitir, varreduras tridimensionais a laser. Assim, se as gravuras se perderem devido a erosão, construção ou mineração da laterita para fabricação de tijolos, será possível recriá-las não apenas em contorno, mas em profundidade, o que poderia até indicar qual técnica de entalhe foi utilizada.
O departamento de Garge também vai procurar indícios do povo que fez as gravuras. As figuras são encontradas apenas em colinas descampadas e inundadas durante as monções, lugares onde seria impossível se abrigar. Os autores só podem ter ido a esses lugares especialmente para fazer as gravuras.
Este ano, pesquisadores começaram a escavar numa caverna a cerca de 32 km dali e encontraram micrólitos semelhantes àqueles das colinas, além de ferramentas maiores de pedra. "Esperamos encontrar outros abrigos próximos aos petróglifos", avalia Garge.
Por enquanto, as gravuras ainda são um mistério e levantam questões interessantes sobre o povo que ali viveu. "Será que era uma sociedade suficientemente avançada para pagar pelo trabalho artístico" com alimentos, por exemplo, pergunta-se Garge, ou será que certos membros do grupo eram liberados da caça e da coleta para entalharem na pedra?
Ele observa que, no mundo inteiro, as gravuras rupestres datam de uma época em que os humanos começavam a lidar com o significado das forças que influenciavam sua vida, talvez nos primórdios da ideação religiosa. É possível que muitos dos animais retratados causassem medo – "elefantes, rinocerontes, arraias, tubarões", sem falar dos tigres.
Segundo Garge, faria sentido atribuir algum poder espiritual a essas criaturas potencialmente perigosas. "Deuses malévolos sempre são adorados primeiro", acrescenta.
Por James Gorman e Atul Loke