O papa Francisco chegou neste domingo à noite (3) aos Emirados Árabes Unidos para a primeira visita de um líder da Igreja Católica à Península Arábica, berço do Islã. Francisco foi recebido pelo príncipe-herdeiro de Abu Dhabi, sheik Mohamed bin Zayed al-Nahyan, e pelo imã de Al-Azhar, a instituição mais importante do Islã sunita, sediada no Cairo, sheik Ahmed al-Tayerbiman.
Antes de realizar a viagem aos Emirados, Francisco pediu neste domingo que "favoreçam com urgência o cumprimento dos acordos alcançados" para uma trégua na cidade portuária de Hodeida, no Iêmen, crucial para o acesso da ajuda humanitária. A guerra no Iêmen opõe as forças pró-governo, apoiadas no terreno desde 2015 pela Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, aos rebeldes huthis xiitas, respaldados pelo Irã e que controlam amplas zonas do país, incluindo a capital Sanaa.
O avião do chefe da Igreja Católica chegou ao Aeroporto de Abu Dhabi pouco antes das 22h locais (16h de Brasília). Antes de sair de Roma, Francisco escreveu no Twitter: "Estou partindo para os Emirados Árabes Unidos. Me dirijo a esse país como um irmão para escrevermos juntos uma página de diálogo e percorrermos juntos os caminhos de paz. Orem por mim!".
A bordo do avião, o papa disse que soube que estava chovendo em Abu Dhabi. "Nesses países é visto como um sinal de bênção", destacou. Segundo o programa, esta visita será dominada pelo diálogo entre as religiões. Um encontro inter-religioso internacional está previsto para segunda-feira.
Neste domingo de manhã, o ambiente ao redor da Catedral São José de Abu Dhabi era o de dias importantes, constatou um repórter da AFP. Os fiéis se aglomeravam perto da catedral, decorada com as cores do Vaticano e dos Emirados, para conseguir os últimos lugares para a missa papal de terça-feira, que se apresenta como a maior manifestação popular realizada neste país, com a presença de mais de 130 mil fiéis.
Com a aproximação da visita, o padre Elie Hachem, que oficia na Catedral de São José, está em êxtase e fala de algo "histórico". Segundo ele, o papa vem com "uma mensagem de paz". Há cerca de um milhão de católicos neste país, adepto a um Islã moderado e cuja sociedade é bastante aberta ao mundo exterior. A maioria são trabalhadores asiáticos, que podem praticar a sua religião em oito igrejas.
Doris D'souza, que chegou especialmente para a ocasião de Goa (sudoeste da Índia), indica ter "aproveitado para assistir à missa" de terça, assim que soube da visita do papa. Shane Gallagher, um irlandês que vive nos Emirados, declara estar "encantado" com a visita de Francisco e pelo fato de ocorrer em um país muçulmano. "Vamos ter uma ótima semana", acredita.
'Mufti do terrorismo'
Os responsáveis da federação não deixaram de insistir neste tema, em particular pelo encontro previsto entre o papa e o imã de Al-Azhar, a principal instituição do Islã sunita que fica no Cairo, o sheik Ahmed al-Tayeb. Diferentemente do seu vizinho saudita, que proíbe a prática de outras religiões que não sejam o Islã, os Emirados Árabes Unidos querem projetar uma imagem de país tolerante.
Não obstante, as autoridades controlam as práticas religiosas e reprimem a contestação política e a exploração da religião, inclusive pelos adeptos de um Islã político, encarnado pela Irmandade Muçulmana. Anwar Gargash, ministro das Relações Exteriores, fez alusão a isso neste domingo em um tuíte no qual critica o Catar, boicotado por seu país e três de seus aliados, que o acusam de apoiar islamitas radicais, o que Doha desmente.
O ministro destacou a diferença entre o "mufti do terrorismo", em referência ao religioso Yusef al-Qardaui, considerado chefe espiritual da Irmandade Muçulmana, que é protegida pelo Catar, e o seu país, que acolhe um dos símbolos de "tolerância e amor", que são o papa e o imã de Al-Azhar.
A organização Anistia Internacional pediu ao papa que coloque sobre a mesa em Abu Dhabi a questão do respeito aos direitos humanos e criticou que muitos dissidentes permaneçam detidos no país. A Human Rights Watch também pediu neste domingo ao papa que aproveite a sua visita para falar da situação dos direitos humanos no Iêmen, onde os Emirados intervêm militarmente junto com a Arábia Saudita
Desde o início do seu pontificado, o papa viajou a vários países cuja população é majoritariamente muçulmana, como Egito, Azerbaijão, Bangladesh e Turquia. Em março viajará ao Marrocos.