A Força Armada da Venezuela deu nesta quinta-feira (24) seu apoio ao presidente Nicolás Maduro, ao qualificar como "golpe de Estado" em andamento a autoproclamação do parlamentar opositor, Juan Guaidó, como presidente interino com forte apoio internacional.
"Alerto ao povo da Venezuela que se está conduzindo um golpe de Estado contra a institucionalidade, contra a democracia, contra a nossa Constituição, contra o presidente Nicolás Maduro, presidente legítimo", assegurou o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, flanqueado por toda a cúpula militar.
Ao ler um comunicado à imprensa, o ministro apontou como autores deste "plano criminoso" "setores de ultradireita auspiciados descaradamente por agentes imperiais", que, disse, buscam gerar "caos e anarquia" no país.
Pouco antes, oito generais que comandam regiões estratégicas do país ratificaram sua "lealdade e subordinação absoluta" a Maduro, em mensagens difundidas pela TV estatal.
A Força Armada, que se define como seguidora do falecido líder socialista Hugo Chávez (1999-2013) e "anti-imperialista", é considerada a principal sustentação de Maduro.
"Leais sempre, traidores nunca", "Chávez vive, a pátria segue", disseram.
Os militares reiteram que estão unidos, mas demonstraram fissuras: dois generais estão detidos por vínculos com a ativação de dois drones carregados com explosivos perto de uma tribuna onde estava Maduro em 4 de agosto e na segunda-feira passada 27 militares foram detidos após se insurgirem.
Na quarta-feira, Guaidó chamou as Forças Armadas a se colocarem "ao lado do povo e da Constituição" e reiterou-lhes a oferta de uma lei de anistia a quem não reconhecer Maduro.
Para os analistas do Eurasia Group, o reconhecimento do alto comando militar é vital para que Guaidó possa liderar uma transição, razão pela qual uma "queda de Maduro não parece iminente".
Maduro tem previsto assistir nesta quinta-feira a uma sessão no Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), de orientação governista, que na quarta-feira determinou ao Ministério Público investigar criminalmente os membros do Parlamento - de maioria opositora -, ao acusá-los de usurpar as funções de Maduro.
- Apoio internacional -
Diante de uma multitudinária manifestação de seguidores, Guaidó, um engenheiro de 35 anos, se autoproclamou na quarta-feira presidente encarregado da Venezuela, fixando-se como meta "conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e eleições livres".
O primeiro a reconhecê-lo foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seguido de uma dezena de países da América Latina e do Canadá.
O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, pediu a membros da Organização de Estados Americanos (OEA) que debate na quinta-feira sobre a Venezuela a reconhecer Guaidó. Seu secretário-geral, Luis Almagro, que tacha Maduro de ditador, já lhe deu seu apoio.
A UE, prudente, pediu "eleições livres", sem reconhecer o opositor, o que o presidente da Eurocâmara, Antonio Tajani, fez, afirmando: "Maduro tem que ir embora!"
Guaidó, que segundo uma fonte da oposição, está resguardado em um local não informado, continuava recebendo mensagens e telefonemas de apoio de mandatários, entre eles o chefe de governo espanhol, Pedro Sánchez, nesta quinta-feira.
Maduro obteve o apoio de Rússia e Cuba, seus aliados, que se manifestaram, assim como a China, contra a "ingerência estrangeira" na Venezuela.
Meia centena de países considera "ilegítimo" o segundo mandato iniciado por Maduro em 10 de janeiro, por considerar que as eleições em que foi reeleito - boicotadas pela oposição - foram fraudulentas.
- Mais do que diplomacia, a economia -
Em resposta ao apoio de Washington a Guaidó, Maduro anunciou, em uma grande manifestação pró-governo, a ruptura das relações com os Estados Unidos, e deu aos seus diplomatas 72 horas para deixar o país.
No entanto, os Estados Unidos asseguraram que Maduro não tem autoridade para romper relações ou expulsar diplomatas e anunciou que tomará "medidas apropriadas" se a segurança de sua missão e de seu pessoal estiver "ameaçada".
Em um comunicado a todas as embaixadas, Guaidó, a quem Maduro considera uma "marionete" de Trump, pediu-lhes para "manter sua presença diplomática".
"Mas o que realmente afeta ou põe em questão a capacidade de governar do regime de Maduro são medidas econômicas ou financeiras", indicou à AFP o internacionalista Mariano de Alba.
Os Estados Unidos compram da Venezuela um terço de sua produção de 1,4 milhão de barris de petróleo por dia. A commodity é fonte de 96% das dividas do país.
Segundo Maduro, seus inimigos querem se apropriar das maiores reservas de ouro negro do planeta, que a nação sul-americana possui.
"Trump provavelmente exploraria a possibilidade de congelar ativos (da Venezuela)", avaliou a Eurasia Group.
O agravamento da crise ocorre em meio à pior crise econômica da história moderna da Venezuela, com escassez de alimentos e medicamentos e uma hiperinflação que o FMI projeta em 10.000.000% para 2019.
Distúrbios no âmbito de protestos contra Maduro deixaram pelo menos 16 mortos desde a terça-feira. Na madrugada de quarta-feira, houve incidentes em bairros populares como Petare, leste da capital.
As manifestações de quarta-feira foram a primeira grande queda de braço nas ruas desde os protestos que deixaram 125 mortos em 2017. Guaidó anunciou que a oposição se prepara para uma grande marcha na primeira semana de fevereiro.
* AFP