O líder do Parlamento, o jovem opositor Juan Guaidó, se autoproclamou presidente interino da Venezuela para pressionar a saída de Nicolás Maduro do poder, recebendo o apoio de Estados Unidos e vários países latino-americanos, em um dia de manifestações multitudinárias a favor e contra o governo.
"Juro assumir formalmente as competências do Executivo Nacional como o presidente encarregado da Venezuela para obter o final da usurpação, um governo de transição e ter eleições livres", disse Guaidó de uma tribunal, com uma das mãos levantada, diante de uma multidão de seguidores no leste de Caracas.
Engenheiro de 35 anos, que assumiu a presidência do Parlamento - de maioria opositora - em 5 de janeiro, Guaidó disse estar apoiado pela Constituição.
"Hoje, dou o passo com vocês, entendendo que estamos em uma ditadura", disse, ao que a multidão respondeu, "O povo está contigo!".
O líder do Legislativo afirmou que tem o apoio de grande parte da comunidade internacional. Estados Unidos, Canadá, UE e grande parte da América Latina consideram "ilegítimo" o segundo mandato do presidente Nicolás Maduro, iniciado em 10 de janeiro, por considerar que foi reeleito em maio em eleições fraudulentas.
O presidente americano, Donald Trump, foi o primeiro a reconhecer Guaidó "oficialmente", sendo seguido, entre outros, pelos governos de Brasil, Colômbia, Peru, Chile, Argentina e Canadá, e pelo secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.
No total, onze dos 14 países do Grupo de Lima reconheceram o novo presidente: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru.
Os três membros do bloco que não se somaram a esta decisão foram México, Guiana e Santa Lúcia.
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, espera que "toda Europa se una em apoio às forças democráticas na Venezuela" e avaliou que "ao contrário de Maduro, a Assembleia Parlamentar, incluindo Juan Guaidó, tem um mandato democrático de cidadãos venezuelanos".
Em reação ao posicionamento de Washington, Maduro anunciou o rompimento de relações com os Estados Unidos.
"Decidi romper relações diplomáticas e políticas com o governo imperialista dos Estados Unidos. Fora! Vão embora da Venezuela. Aqui existe dignidade, caralho!", disse do terraço do Palácio presidencial de Miraflores.
Diante de uma multidão de seguidores, Maduro, que deu 72 horas para os diplomatas americanos deixarem o país, qualificou como "a maior insensatez" a postura dos Estados Unidos. "A Venezuela se respeita. Nem golpismo, nem intervencionismo".
Washington reagiu ao anúncio afirmando que "não reconhece o regime de Maduro como governo da Venezuela". "Em consequência, não considera que o ex-presidente tenha autoridade legal para romper relações diplomáticas com os Estados Unidos".
Em comunicado a todas as embaixadas, Guaidó declarou "a todos os chefes de missão diplomática e suas equipes creditadas na Venezuela que o Estado da Venezuela deseja firmemente que mantenham a sua presença diplomática em nosso país".
O ministro da Defesa, Vladimir Padrino, reafirmou o apoio dos militares a Maduro e informou que a Força Armada da Venezuela (FANB) rejeita a autoproclamação de Guaidó como presidente interino.
"O desespero e a intolerância atentam contra a paz da Nação. Os soldados da Pátria não aceitamos um presidente imposto à sombra de interesses obscuros, nem autoproclamado à margem da Lei. A FANB defende nossa Constituição e é garantidora da soberania nacional", escreveu Padrino no Twitter.
- Explodem distúrbios -
Agentes da tropa de choque enfrentavam manifestantes opositores em uma região do leste de Caracas, aumentando os temores de mais explosões de violência, após distúrbios que deixaram treze mortos e 24 detidos entre a noite de terça e a madrugada de quarta-feira na capital e outras cidades do país.
No estado de Bolívar, na fronteira com o Brasil, os confrontos degeneraram em saques, segundo o Observatório Venezuelano de Conflitividade Social (OVCS).
Pouco antes da autoproclamação de Guaidó, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ, de orientação governista) determinou que o Ministério Público investigue criminalmente os integrantes do Parlamento, ao acusá-lo de usurpar as funções de Maduro.
Ao Guaidó concluir seu discurso, jornalistas que estavam na tribuna lhe perguntaram se temia ser detido: "Não, temo por nosso povo que está vivendo muito mal", respondeu.
As manifestações ocorrem em meio à pior crise da história moderna no país petroleiro, que sofre com escassez de alimentos e medicamentos e uma hiperinflação que o FMI projeta em 10.000.000% para 2019. Segundo a ONU, 2,3 milhões de venezuelanos emigraram desde 2015.
As manifestações desta quarta-feira foram a primeira grande queda de braço desde os protestos que deixaram 125 mortos em 2017, coincidem com a data de 61 anos da queda da ditadura de Marcos Pérez Jiménez.
Em Bolívia, foi queimada uma estátua do falecido presidente Hugo Chávez (1999-2013), que fundou a revolução socialista venezuelana, que completa duas décadas em 2 de fevereiro.
- Marchas e anistia -
Embora a Justiça o tenha declarado em desacato e anule todas as suas decisões desde 2016, o Parlamento, que considera Maduro um "usurpador", aprovou nesta terça-feira dar anistia aos militares que colaborarem com um governo de transição.
Guaidó anunciou que está se preparando para uma grande manifestação na primeira semana de fevereiro.
"Tomara que essa família militar se coloque do lado da Constituição", manifestou, ao anunciar que a lei de anistia será impressa no fim de semana.
Para o líder do Legislativo, o rápido levante de 27 militares na segunda-feira demonstra que os chamados aos militares estão tendo eco.
Embora a Força Armada se diga unida, segundo a ONG Controle Cidadão, 180 homens foram detidos em 2018, acusados de conspirar, 10.000 militares pediram baixa desde 2015 e mais de 4.000 desertaram da Guarda Nacional em 2018.
A OEA, que também declarou a "ilegitimidade" do segundo mandato de Maduro, vai analisar na quinta-feira a situação da Venezuela.
* AFP