A Venezuela começava a sentir nesta segunda-feira (21) o custo da reeleição do presidente Nicolás Maduro, em eleições não reconhecidas pela oposição e por vários países.
"A eleição da Venezuela foi uma farsa, nem livre nem justa. O resultado ilegítimo desse falso processo é mais um golpe para a orgulhosa tradição democrática da Venezuela", denunciou o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence.
"Os Estados Unidos não ficarão de braços cruzados enquanto a Venezuela desmorona e a miséria de seu valente povo continua", prometeu.
Por sua vez, os 14 países do Grupo de Lima convocaram seus embaixadores em Caracas para consultas e concordaram em "reduzir o nível de suas relações diplomáticas com a Venezuela", em protesto contra o polêmico processo eleitoral.
Em contrapartida, o presidente russo, Vladimir Putin, parabenizou Maduro em um telegrama, desejando "saúde e sucesso na solução dos desafios sociais e econômicos que o país enfrenta".
Maduro recebeu no domingo 68% dos 8.603.936 votos, contra 21,2% do ex-chavista Henri Falcón, para quem o processo não teve legitimidade. O candidato opositor, que pediu uma nova votação, acusou o governo de "compra de votos" e "chantagem" com os programas sociais.
Apesar de ter celebrado uma vitória por "nocaute", o presidente foi reeleito em uma votação que registrou um índice recorde de abstenção de 52%, após o boicote convocado pela opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), que considerou a eleição uma "farsa" para perpetuar Maduro no poder.
Falcón e o pastor evangélico Javier Bertucci, o terceiro candidato, denunciaram que Maduro coagiu os eleitores com os "pontos vermelhos", locais onde o partido governista registrou os eleitores com um carnê necessário para receber ajuda social.
Estados Unidos, Canadá, União Europeia (UE) e vários países da América Latina respaldaram a MUD, antecipando que não reconheceriam os resultados. Chile, Panamá e Costa Rica reafirmaram a posição nas últimas horas.
Os 14 países do Grupo de Lima convocaram seus embaixadores em Caracas para consultas e concordaram em "reduzir o nível de suas relações diplomáticas com a Venezuela", em protesto contra o polêmico processo eleitoral, anunciou o bloco
O panorama é sombrio para um país isolado e arruinado, com uma população que suporta a falta de alimentos e remédios, um custo de vida muito elevado - um salário mínimo compra apenas meio quilo de carne - e o êxodo de centenas de milhares de pessoas.
"Os cenários estão claros: tensão política, radicalização as partes, repressão, desconhecimento internacional em massa, aprofundamento das sanções e o clímax da crise econômica", opina o analista Luis Vicente León.
- A catástrofe -
A Venezuela sofre a pior crise de sua história recente: o FMI calcula uma queda de 15% do PIB e uma hiperinflação de 13.800% para 2018. A produção de petróleo está no pior nível em 30 anos.
Maduro, ex-motorista de ônibus e sindicalista de 55 anos, no poder desde 2013, atribui o colapso a uma "guerra da direita" aliada com Washington, mas seus adversários afirmam que a crise é motivada por uma desastrosa gestão da economia.
Conhecedor do que uma vez classificou de "catástrofe", Maduro prometeu fazer "mudanças" para obter prosperidade. "Me dedicarei por inteiro à recuperação da economia", prometeu ao celebrar a vitória diante de milhares de simpatizantes no Palácio de Miraflores.
Mas Washington parece decidido a não facilitar a vida de Maduro. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ameaçou nesta segunda a Venezuela com novas medidas punitivas. "Os Estados Unidos (...) tomarão medidas econômicas e diplomáticas rápidas para apoiar a restauração de sua democracia", disse em um comunicado.
O governo dos Estados Unidos, país para o qual a Venezuela vende um terço de sua produção de petróleo, ameaça adotar um embargo petroleiro e proibiu que seus cidadãos negociem títulos da dívida venezuelana, depois que o país e a petroleira PDVSA foram declarados em default parcial em 2017.
Maduro confia em seus aliados China e Rússia. "Porém, um novo governo, considerado ilegítimo, não terá capacidade de manobra, nem na área das finanças internacionais nem na diplomacia", adverte Andrés Cañizalez, especialista em comunicação política.
- Os demônios internos -
Ao proclamar seu triunfo, Maduro convocou um "diálogo nacional", mas a MUD já havia anunciado a intenção de aumentar a pressão por "eleições verdadeiras" ainda este ano.
Falcón pediu no domingo uma nova eleição em outubro ou dezembro, uma demanda apoiada pelo pastor Bertucci.
Mas a oposição está profundamente dividida. Falcón se afastou das determinações da MUD para lançar sua candidatura e em nenhum momento conseguiu acabar com o estigma de "traidor", acusação que também recebe do lado do chavismo.
"Falcón não conseguiu vencer Maduro nem a MUD. Seu não reconhecimento da eleição é tardio. Acontecerão recriminações mútuas, as tentativas de capitalizar a abstenção", afirmou à AFP o cientista político Luis Salamanca.
Para Salmanca e León, o grande desafio da oposição é uma reunificação ao redor de uma estratégia que pressione por mudanças, após quase duas décadas de chavismo.
Do lado do governo, segundo León, a "implosão" representa o "maior risco" de Maduro, se cada vez mais funcionários sentirem que estão encurralados pelas sanções internacionais.
Quase todo o círculo de governo é objeto de sanções da UE e de Washington, que incluiu na sexta-feira o número dois do chavismo, Diosdado Cabello, a sua lista de 70 autoridades venezuelanas sancionadas - incluindo Maduro.
O presidente tem o apoio da cúpula das Forças Armadas, mas a crise é tão severa que pode provocar uma divergência dentro da aliança cívico-militar governante ou uma ruptura social de maior escala, advertiu o Crisis Group.
O analista Benigno Alarcón considera que, cercado, o governo poderia radicalizar o sistema político, enquanto Diego Moya-Ocampos, do IHS Markit (Londres), não descarta que novos protestos levem o governo a recorrer à repressão.
* AFP