Roma – No último ano, os pequenos vasos de flores de cannabis simplesmente sumiram das prateleiras das lojas especializadas na Itália, em um fenômeno que é descrito como a "corrida do ouro verde".
As flores de cânhamo – com nomes como K8, Chill Haus, Cannabismile White Pablo e Marley CBD – são vendidas com a etiqueta "cannabis light", porque o nível que possuem do composto psicoativo é uma pequena fração do que é normalmente encontrado na maconha cultivada.
Mas há um senão: não devem ser fumadas nem comidas. Suas sementes, caso haja alguma, não devem ser cultivadas. Como os rótulos dos vasos instruem com veemência, os produtos são destinados ao "uso técnico" e "não são para consumo humano". Elas são vendidas – como explicam inúmeros vendedores com um sorrisinho e uma piscadela – como "itens de colecionadores".
Esse é o status atual e intrigante da cannabis legal na Itália.
A febre local da maconha explodiu depois que uma lei de dezembro de 2016, que regula a produção de cânhamo, entrou em vigor – na verdade, uma série de normas para ajudar a reviver uma planta que já foi amplamente cultivada no país. Na década de 1940, acredita-se que a Itália fosse o segundo maior produtor mundial de cannabis industrial, depois da União Soviética. (Não existem estatísticas da China, que também é um grande produtor.)
A lei foi criada para os agricultores que cultivam o cânhamo industrial, que tem usos comerciais em alimentos, tecidos, roupas, biocombustíveis, material de construção e alimentos para animais, com níveis mínimos do composto psicoativo. Porém, ela não regulamenta a utilização das flores, também conhecidas como botões e, assim, toda uma economia surgiu a partir dessa brecha legislativa.
No último ano, empresas de embalagem da cannabis light floresceram, dezenas de lojas que vendem esses produtos foram abertas, as franquias decolaram e muitos agricultores fazem rotações dos campos para produzir uma das 64 variedades de cânhamo industrial certificada pela União Europeia.
As associações de agricultores, aliás, veem a produção de cânhamo em larga escala como uma solução para a crise agrícola italiana.
"Criamos um fenômeno incrível", disse Luca Marola, considerado responsável pela expansão da cannabis light, graças em parte à extensa cobertura que a imprensa faz de sua empresa, a Easyjoint Project. Em fevereiro, ele disse ter vendido 17 mil quilos de flores, projeto que o antigo ativista pela legalização chama de "uma forma de desobediência civil".
"No século passado, a maconha e a cannabis foram associadas à palavra 'droga', efetivamente destruindo uma tradição de gerações. Queremos acabar com essa reputação difamatória", disse Gennaro Maulucci, principal organizador de uma feira de comércio de cânhamo em Roma.
"É uma nova economia, parece o Vale do Silício. E nesse processo, até mesmo a cannabis light pode contribuir para a legalização da erva", acrescentou durante a Canapa Mundi, feira que atraiu mais de 30 mil visitantes durante três dias em fevereiro.
O nível de tetrahidrocanabinol – ou THC, o composto que "dá barato" – é inferior a 0,2 por cento na cannabis light, uma pequena fração do nível entre 15 por cento e 25 por cento ou mais do que é normalmente encontrado em linhagens de maconha cultivada, cuja versão que chega às ruas pode ser significativamente menor na Itália. Ela tem diferentes níveis de canabidiol, ou CBD, o que, segundo defensores, contém propriedades anti-inflamatórias e analgésicas, sem os efeitos psicoativos.
Alguns aficionados que trabalham para revistas que promovem a maconha descreveram os efeitos da cannabis light como uma espécie de barato antiestresse, sem deixar o usuário chapado.
O site da Easyjoint especifica que seus produtos não devem ser fumados ou comidos, e que não são medicamentos, mas, em entrevista, Marola disse que têm propriedades que podem ser eficazes em várias circunstâncias.
"Felizmente o número de pessoas que sofrem de insônia e ataques de pânico é maior do do que os pacientes da doença de Lou Gehrig, para a qual a maconha medicinal é frequentemente prescrita, versão que deve ser reservada para quem realmente necessita de um produto com alto teor de THC", afirma.
A comunidade científica ainda não tem certeza a respeito das propriedades médicas da cannabis light; a maconha medicinal, por outro lado, está ficando cada vez mais popular na Itália desde que foi aprovada. em 2006, e a procura supera em muito a oferta.
Milhares de italianos a usam para aliviar os sintomas de náuseas pós-quimioterapia, espasmos musculares causados por esclerose múltipla, epilepsia, anorexia e ansiedade, mesmo que muitos médicos hesitem em propor o tratamento, preocupados com possíveis problemas legais.
"O consumo anual de cannabis medicinal legal, em 2013, era 40 quilos; em 2017, já tinha quase decuplicado, e continua crescendo", disse o Coronel Antonio Medica, oficial encarregado da Fábrica Fármaco-Química Militar em Florença. Essa instalação controlada pelo exército é a única agência italiana que produz essa versão de maconha, e sua primeira safra foi distribuída em 2017.
Mas, como não consegue acompanhar a demanda, o governo também a importa da Holanda e, desde janeiro, do Canadá.
Medica acha que o consumo ainda pode quadruplicar. "Os médicos começaram a ver a importância da cannabis medicinal", disse ele.
Em setembro, os estoques das farmácias em toda a Itália esgotaram, o que fez muitos pacientes com receita recorrerem ao mercado negro.
"O Estado não está respeitando suas próprias leis; as pessoas que estão sofrendo as consequências têm problemas sérios e não conseguem reagir porque estão em condições difíceis", disse Carlo Monaco, proprietário do Canapa Caffè de Roma, o único local na Itália para pacientes que fazem tratamento com maconha medicinal.
Apesar da legalização, vários usuários de cannabis compartilharam histórias de detenção ao serem pegos com as flores.
"Se você for parado pela polícia depois de comprar maconha medicinal, tem que torcer para que os oficiais conheçam a lei e não a confundam como a droga, caso contrário, provavelmente vai passar a noite na prisão", disse Andreana Sirhan, farmacêutica de Roma que vende esse produto.
Em dezembro, Paolo Molinari transformou seu bar no centro de Roma em um café no estilo holandês (embora não seja permitido fumar) e começou a comercializar sua marca de cannabis light: a Erba di Roma, que disse ser popular entre os turistas.
Ele afirmou que estava preocupado que essa bolha de consumo pudesse estourar, mas se sente encorajado pelo número crescente de estados que já legalizaram a maconha nos EUA.
"A legalização lá tem criado postos de trabalho, reduziu a criminalidade e o contrabando, e gera um aumento de impostos para os governos. Por que proibir uma substância que gera renda para o Estado? Além disso, as pessoas vão usá-la de qualquer maneira", disse Molinari.
Por Elisabetta Povoledo